ŷ

Maria Isaac's Blog

April 25, 2024

Era uma vez, a Poesia

Dos antigos trovadores aos modernos poetas de rua, a poesia tem sido a voz dos sem voz, o eco dos apaixonados e o sussurro dos desesperados.

Que magia milenar é esta, de simples palavras em versos?

Como conseguiram os novos poetas fazer os seus versos sair das folhas?

E, afinal, o que é um poema?


Neste episódio poético, vamos explorar o poder deste género literário onde os versos e a linguagem espelham a alma não só do poeta, mas também a do leitor, num labirinto de formas, emoções e sonhos.


Bem-vindo a um novo episódio!



***


Desde os primórdios da civilização que a poesia está entre as formas de expressão humana, uma das artes com legado duradouro que percorre várias eras da nossa história.

Por estes dias tem-se falado muito de poesia e quando pensei em gravar um episódio aqui no podcast sobre o tema, o primeiro propósito que me veio à cabeça foi de contribuir para que se leia mais poesia, porque é um género que definitivamente não tem a popularidade que mereceria ter e acredito que tem muito para nos dar.


Confesso, já, que não leio muita poesia, e estou a dizer isto de uma maneira a não parecer muito mal, porque quando digo não leio muita poesia, estou a escapar-me de ser específica e por isso confesso toda a verdade: há anos em que não leio nada, sim, menos de 1 livro de poesia por ano, a minha média é decimal. A vergonha!


Ora, uma das formas mais simples de alimentar a curiosidade de alguém para alguma coisa a que não estão a dar a devida atenção, é primeiro, mostrar-lhes o que estão a perder, e segundo, tentar perceber as suas razões para oferecer soluções� Ou talvez seja ao contrário: primeiro tentar compreender e depois mostrar-lhe o que estão a perder,

Seja qual for a ordem, acho que dá para perceber a minha ideia, e neste tipo de tentativas de convencer alguém de alguma coisa, o engraçado é que acabamos sempre a desconstruir as nossas próprias ideias iniciais.


Porque ao andar aqui pelos campos verdejantes da maravilhosa da internet a ler artigos sobre poesia, acabei por mudar a minha percepção sobre algumas coisas. Não quero dizer com isto que eu já não acho que a poesia é maravilhosa e todos a devemos ler, porque sim, vamos lá ler mais poesia meus senhores e minhas senhoras, o quero dizer é que aprendi umas coisinhas mais sobre as muitas facetas da poesia.


Umberto Eco disse: Há uma diferença imensa entre poesia e prosa. Na poesia as palavras vêm primeiro e depois segue-se o que se quer dizer.

Numa entrevista Umberto Eco conta um episódio caricato sobre o poeta Eugênio Montale (poeta italiano, consagradissimo, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1975 e que depois desapareceu na reclusão), parece que Eugênio Montale, que escreveu um poema lindíssimo intitulado “As anémonas� considerado um dos marcos da poesia italiana moderna, no qual descreve as anémonas num tom melancólico, usando-as como metáfora para explorar a passagem do tempo, a fragilidade da vida, um mundo de reflexões sobre a condição humana� então, parece que certo dia, estava Eugênio Montale a passear e viu anémonas, e diz: ah que flores lindas, o que são? Inacreditável, ele tinha escrito um poema maravilhoso sobre anémonas e desconhecia por completo a flor. Aliás, não só aquele como muitos outros. E foi então que Eugênio Montale disse: os meus poemas são sobre as palavras, não sobre as coisas.

E Umberto Eco concluiu então que: na prosa é diferente: primeiro existe um mundo, nesse mundo certas coisas acontecem, e a linguagem segue a história. Eis a diferença radical entre poesia e prosa.



Também me apercebi de que, uma das razões pelas quais a linda da poesia é enjeitada, até por nós grandes leitores, é por sofrer de idadismo, a coitadinha é de facto discriminada pela sua idade, por ser antiquada, dizem alguns.

Ainda que, seja de facto muito antiga, deveria como diz o ditado: como o vinho do Porto, a idade deveria dar-lhe credibilidade pela sua resiliência e por ter conseguido sobreviver milhares de anos e ainda continuar por cá.


Esta verdadeira arte milenar e global, tem a sua origem em quatro grande polos:

Na antiga Mesopotâmia, há mais de quatro mil anos, os escribas sumérios registavam as epopeias de heróis em placas de argila,

No Egito antigo, celebravam-se os faraós em versos inscritos em monumentos e papiros

enquanto que os gregos produziam obras-primas como a "Ilíada" e a "Odisseia", atribuídas a Homero

Já na Pérsia, o poeta Rumi (que eu adoro!) encantou o mundo com sua poesia sufista, transmitindo mensagens de amor, união e espiritualidade. Ele escreveu: "A alma não tem segredo que o comportamento não revele."



Existem demasiados exemplos de grandes poetas que moldaram o curso da história da poesia para ser possível eu enumerá-los aqui, e sabes que há poucas coisas mais difíceis do que escolher entre coisas boas, então quando se fala de livros e escritores, o nosso cérebro humilha-nos com azelhice.


Mas se olharmos para a nossa história, a poesia do nosso cantinho aqui à beira-mar plantado, o primeiro que nos vem à ideia até pode ser Camões e “Os Lusíadas�, mas antes dele Portugal já era o lar de poetas que imortalizavam a essência da alma lusa, lá mais atrás, nos primórdios da lírica trovadoresca, com Paio Soares e Dom Dinis. Tivemos o Romantismo com Almeida Garrett e Alexandre Herculano, só depois muito mais tarde, só bem depois de todos eles, e porque eu seria crucificada se não mencionasse o seu nome neste episódio: veio Fernando Pessoa …e mudou a nossa vida para sempre.


Com tudo isto e muito mais para descobrirmos, então porque é deixada para trás a linda da poesia? Porque somos nós tão cruéis?

Muitas vezes, a resposta mais simples é a mais verdadeira; a razão pela qual muitos leitores não lêem poesia é apenas porque preferem outros géneros literários, as narrativas, romances, mistérios, ou não-ficção� e sendo como é tão difícil arranjar tempo para conseguirmos ler sequer o que mais gostamos, imagine-se as “outras coisas�, outras coisas menos familiares, das quais até nem sabemos muito…�

E não sabemos muito porque, vamos lá ao busílis da questão, há de facto uma percepção geral de irrelevância, de que a poesia, tal como infelizmente muitas artes, são irrelevantes e por isso facilmente passam despercebidas. Se a literatura no seu todo, sofre de uma falta crónica de visibilidade, a poesia é quase ostracizada. É como digo: a coitadinha da poesia.


O que nos deixa naquele ponto do dilema do ovo e da galinha. Quem nasceu primeiro? É a falta de popularidade da poesia que causa a sua falta de visibilidade? Ou a ausência de uma aposta por parte do meio literário a causa deste abandono?

Se o menciono é porque compreendo, é o que é, escolhas têm sempre de ser feitas nas nossas decisões de leitura� mas� (claro que estou a dizer isto tudo porque tenho um mas e te quero convencer a ler mais poesia) mas muitos de nós mantêm ainda uma imagem da poesia que adquirimos na escola, um preconceito que tem muito pouco que ver com a verdadeira poesia contemporânea, que mudou muitíssimo ao longo dos séculos e se reservarmos um tempinho para a redescobrir, vai surpreender.

Muito recentemente, tivemos um exemplo que veio contrariar um pouco esta apatia poética. Rupi Kaur, autora de Leite e Mel, e também de O Sol e as Suas Flores.

Vimos pela primeira vez em muito tempo, livros de poesia em destaque nas grandes livrarias, o que vem provar que sim, é possível termos novos poetas e exemplos de sucessos contemporâneos.

Pode ser a exceção que confirma a regra, mas também pode ser a prova viva de incentivo às editoras para publicação de mais poesia e para os nossos queridos poetas coragem para tirarem os versos da gaveta, ou do Google Drive, porque agora somos todos digitais.

Para além da Rupi Kaur, existem outros poetas contemporâneos que poderás experimentar conhecer, como

Amanda Gorman que se tornou famosa por recitar um poema na posse presidencial de Joe Biden, no qual abordou temas de justiça social e esperança.

E também Maggie Smith: Conhecida pela sua poesia emotiva, e de leitura muito acessível, sobre temas muito atuais como a maternidade, perda e resiliência.


Em português, para além da incontornável Florbela Espanca, outro nome que não podia deixar de mencionar neste episódio, podes dar uma leitura nas nossas contemporâneas Filipa Leal ou a Rosa Maria Martelo.


E se tu tens sugestões para mim, elas serão muito bem vindas, porque já confessei, com muita vergonha, que não leio tanta poesia como gostaria! De preferência, poetas portugueses.


Como disse Eugénio de Andrade“� na nossa poesia que se encontra isso que os políticos tão afanosamente buscam: a nossa identidade�.



Uma das formas que a poesia assumiu durante as últimas décadas e através da qual está presente na nossa vida diária é através da música.

Muitas vezes, os músicos encontram inspiração nas obras de poetas consagrados e transformam poemas em canções que nunca mais nos saem da cabeça.


Exemplo clássico desta união em português e talvez dos mais conhecidos que já deves estar à espera que fale nele, é: o poema Pedra Filosofal de, mais um dos meus poetas favoritos, António Gedeão, cantado por Manuel Freire.

Mais exemplos, agora internacionais, é a união entre a poesia de Walt Whitman com o talento musical de Bob Dylan. Bob Dylan que, se bem te lembras, porque não foi assim há tanto tempo, ganhou o Prémio Nobel da Literatura em 2016, porque é ele próprio também um grande poeta.


Além dele, muitos outros músicos contemporâneos se vêm tornando os novos poetas, com as suas próprias palavras, as letras das suas canções, com as quais dão visibilidade a questões sociais, políticas e ao tema-rei que nos toca a todos: o amor e também os desamores. De Bob Marley a Patti Smith, até às icónicas Lana Del Rey e Taylor Swift, não esquecendo claro, nunca, nunca, os portugueses como a Gisela João, Bárbara Tinoco, Capicua, Carlão e CAIO, um dos meus músicos portugueses favoritos.


Sim, eles são muitos, felizmente, imensos músicos conhecidos não apenas pelo seu talento musical, mas também pelas suas letras profundas e poéticas, que vão muito para além de uma expressão artísticas banal de entretenimento e conseguem arrebatar-nos com reflexões sobre as muitas facetas da nossa condição humana.


Com tantas facetas, o que parece é que cada vez mais se torna difícil reconhecer um poema, o que é um poema? E ainda mais, o que é um bom poema? Tão fácil de responder como, o que é um bom livro?

Eu poderia até tentar responder, e partilhá-lo aqui, mas tenho a certeza que a maioria das pessoas que me possam ouvir, vão discordar, tal como eu muito provavelmente iria discordar da sua opinião do que é um bom poema, um bom livro, e isso é bom, e é a razão pela qual precisamos de muitos artistas, músicas, poemas, livros, muita muita arte.



A arte é um reflexo de quem a cria, espelhado nos olhos de quem a sente, e por isso todos somos espelhos únicos.

A poesia oferece-nos uma capacidade mágica de expôr em poucas palavras até as emoções mais complexas.

Dos poetas que escrevem os seus versos, os leitores que os leem, a poesia tem o poder de confortar ambos, de nos mostrar a todos que não estamos sós nas nossas alegrias, tristezas, nas lutas e desafios que nos tornam quem somos.

A poesia eleva a música, tornando as grandes canções em histórias inesquecíveis que nos falam ao coração, reflexões sobre a condição humana, guardando em si a beleza, dor e complexidade da vida em todas as suas formas.

Um verso pode guardar um instante ou toda uma vida, falar apenas ao poeta que o escreve ou a todo um país, passar fronteiras de culturas, ideologias ou ódios, porque sentir, todos sentimos igual


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...

Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,

Porque eu sou do tamanho do que vejo

E não do tamanho da minha altura�


Versos de Alberto Caeiro em “A espantosa realidade das coisas� para terminar este episódio poético do Palavra podcast.



2 likes ·   •  1 comment  •  flag
Published on April 25, 2024 10:39

December 20, 2023

Conto de Natal: "A breve história de um longo dia"

Um conto de Natal do universo literário da "Odisseia das Pequenas Coisas".

Neste conto irás encontrar as tuas personagens favoritas dos "Onde Cantam os Grilos"; "O Que Dizer das Flores" e "Quantos Ventos na Terra".

A breve história de um longo dia

Existem dias especiais, em que logo pela manhã, naquele instante encantado à saída do sonho, entre o acordar e o abrir de olhos, queremos saltar da cama para começar a viver.

Era Natal. Ana Vaz esgueirou-se dos braços do homem que a tentou prender à cama por mais uns minutos, saltitando em bicos de pés, com o entusiasmo de uma personagem de conto de fadas.

� Onde está a minha prenda? Onde está a minha prenda?

Baltazar observava-a, ansiosa por descer até à cozinha, rodopiando o vestido novo de inverno, de meias grossas, abraçando-se ao casaco de malha, e sorria só por a ver sorrir. Ele prometera-lhe um presente inesquecível, talvez o melhor de sempre e ela correspondeu com um entusiasmo à altura das expectativas criadas. Aquele era o primeiro Natal que passavam juntos, juntos como quem finalmente vive o grande amor da sua vida.

A casa, toda a Herdade e o lago imenso que lhe dava nome, acordavam com eles em mais uma manhã de inverno. Era o mesmo cenário de muitos outros natais longínquos que ambos viveram ali, felizes, em infâncias tão distintas; Ana a bela herdeira da família Vaz, Baltazar o bebé orfão anónimo, diferente com a sua pele escura, que ninguém sabia de onde viera, como fora ali deixado e a quem decidiram acolher na família sob o nome Baltazar, Formiga para os amigos.

Os dois cresceram ali, mas mesmo que lado a lado, sempre tão diferentes. Baltazar abraçara tudo quanto estava ao seu redor, animais, gente ou natureza, fazendo da Herdade do Lago o seu mundo encantado, Ana contentara-se com observar apenas, cuidadosa, astuta. Talvez tenha sido essa atenção dela, aos sinais e subtilezas do mundo ao seu redor, que a ajudaram a sentir há vinte anos a mudança dos ventos, a ver as nuvens negras no horizonte da família, de todos eles, a preparar-se para sobreviver quando, por fim, chegara a tempestade de uma tragédia súbita, imensa e longa: a morte dos seus dois irmãos, depois dos seus pais e por fim uma travessia solitária pelos anos a sós na Herdade do Lago como a última herdeira dos Vaz.

Ela recusara-se a partir, ele precisou de fugir.

Era a Herdade amaldiçoada e o lago encantado, profetizavam as lendas misteriosas que o povo tanto gostava de contar em histórias para crianças.

Pela força da vontade, ou teimosia, Ana Vaz mantivera a herdade viva durante mais de vinte anos, todas as terras que a vista alcançava, que eram só dela, mas que partilhara com quem as quisesse trabalhá-las. A natureza vivia, pelos cuidados de muitas mãos, homens e mulheres; mas quanto à alma da Herdade do Lago, essa foi adormecendo. As noites silenciosas, os dias com demasiado espaço, menos luz. Tomara-a uma imobilidade imperceptível, dormência de amor, uma quietude submersa sob os muitos afazeres da lida nas terras, do cuidado dos animais, que se instalara com ausências, pequenas distrações, hábitos abandonados, tradições interrompidas.

Ana não se apercebera de tudo isto, mais preocupada em sobreviver, como por norma acontece e assim nos ensinou a natureza, talvez satisfeita com o essencial, confortada com pequenas vitórias. Mas Baltazar, no seu regresso à herdade, vira o quão silencioso e inerte se tornara o cenário idílico da sua infância e agora estava decidido a aproveitar todas as oportunidades para resgatar a Herdade do Lago do destino das suas lendas mais negras, a reconstruí-la para um futuro que já começara naquele amor inesperado que os unira aos dois.

Aquela seria uma dessas ocasiões, um dia de regresso de tradições, o seu presente especial para Ana.

Ao deixarem o quarto de mãos dadas, ouvia-a a murmurar uma melodia alegre ao longo do corredor. «É Natal, é Natal…�

� Está na cozinha? � adivinhou Ana, curiosa.

Ele apenas anuiu, mantendo o segredo durante mais alguns passos, escada abaixo.

Na manhã ao redor de ambos, os fantasmas espreguiçavam-se, também eles curiosos, seguindo o brilho nos olhos da sua herdeira. Eram fantasmas de pessoas felizes que viveram momentos demasiado tristes, os antepassados dos Vaz � tal como Ana e Baltazar �, também apaixonados por aquela herdade � talvez maldita, talvez abençoada � e pelo grande lago que os espelhava a todos numa história antiga, desde tempos que já ninguém conseguia acompanhar, ficando, entretanto, entregue aos encantos da imaginação.

Era Natal, e naquele dia tudo seria diferente porque as crianças estavam prestes a voltar. Esse era o grande plano.

A doce Rosarinha não partilhara do entusiasmo de Baltazar quando comentou com ela a ideia de recuperar a tradição. O rebuliço só iria complicar-lhe a organização das refeições natalícias, as compras, os linhos, o trato da loiça delicada que só saía do armário da sala duas vezes por ano, na Páscoa e no Natal, que mesmo sem ser usada, precisava sempre de uma lavadela.

� Tu também gostavas � lembrara-a, quando a empregada se lamentou por toda a confusão que traria aquela ideia peregrina. � Eras quem ficava mais alegre com a cozinha cheia de gente.

� Oh, mas os tempos são outros e os catraios agora são uns demónios � contestara Rosarinha, temendo pela segurança das fitas coloridas e bolas cintilantes com que os dois tinham enfeitado a nova árvore de Natal e decorado toda a cozinha. � No tempo da D. Idalina, as crianças marchavam a passo de soldado, entravam e saíam desta cozinha sem se lhes ouvirmos sequer um pio.

Ele riu, sem concordar.

� Porque a D. Idalina, que Deus a tenha em paz, recebia criancinhas de colher de pau na mão, enquanto tu� é com um sorriso derretido e lágrima no canto do olho, por os veres a empanturrarem a barriga com a tua comida.

Rosarinha rendera-se então com estas duas trocas de argumentos simples e acabou a ajudá-lo com a alegria doce que colocava em tudo o que fazia. Iriam recuperar a tradição. A novidade foi espalhada pela vila, e todas as casas nas redondezas: no dia de Natal, a Herdade do Lago abriria novamente as suas portas para receber as crianças, a sua cozinha recheada numa fartura de iguarias, doces, bolos e guloseimas nunca vista em nenhuma outra altura.

Ao deparar-se com uma cozinha a abarrotar de decorações e comida, Ana Vaz não precisou de mais de dois segundos para adivinhar qual era a sua prenda, superar a incredulidade e saltar para abraçar e beijar os dois conspiradores.

� Obrigada, obrigada, obrigada! Vai ser o melhor Natal de sempre! � festejou.

Defensora do trabalho de equipa, Ana resolveu dar a sua contribuição, despertou o lume da lareira com grandes sopros, retocou todas as decorações, que já estavam perfeitas, fez uso dos seus escassos dotes culinários. Rosarinha agradeceu-lhe, ainda que ela a atrapalhasse mais do que os seus próprios nervos, sensibilizados pela correria da época festiva.

� Vai ser um longo dia! � festejou Ana.

� Como manda a tradição � responderam-lhe em coro os outros dois.

Baltazar, o vigilante da sua felicidade, observava-a com o sorriso que já lhe conhecia, aquele, sereno, só por a ver sorrir.

Contava a lenda que tudo começara com o primeiro dos Vaz a chegar àquele canto do mundo, o antepassado que ninguém sabia de onde viera, nem lembrava o nome, e por isso lhe chamavam apenas o Velho Vaz. Era dele o primeiro retrato na linhagem de antepassados que percorria a parede do corredor, e fora ele quem, dizia-se, certo dia cruzara caminho com uma criança que pedia um pouco de pão a quem passava. Ao vê-la, o Velho Vaz, bom homem cristão e generoso, içara a criança para a garupa do seu cavalo e logo nesse dia sentara-a à sua própria mesa, partilhando tudo o que tinha e também o seu sonho, o de um dia vir a ser dono de terras, árvores, animais e flores, de poder cuidar de todos eles e das gentes que o ajudariam a fazê-lo todos os dias. A criança ouvira-o, intrigada, e no final, apontando para o lago que se via através da pequena janela, perguntou:

� E o lago�? � pois como poderia um homem ousar querer tanto e não desejar o tesouro a poucos metros da sua porta.

O Velho Vaz sorriu perante a visão mais bela da sua vida, a luz a flutuar nas águas cintilantes.

� Esse é de todos.

A palavra correra pelas terras, a história de generosidade, encantando os pobres como uma flauta mágica e, no dia seguinte, dia de Natal, uma fila de crianças alinhara-se à porta da cozinha do Velho Vaz. Apesar de então ele ser ainda apenas um homem pobre com um sonho, a olhar o lago da sua pequena janela, o Velho Vaz oferecera uma romã a cada mão que lhe foi estendida e dissera às crianças que poderiam voltar no Natal seguinte e em todos os outros, porque ali encontrariam sempre algo para elas.

As gerações seguintes dos Vaz cumpriram a promessa, cada vez mais ricos e cada vez mais generosos, apenas Ana não fora capaz de o fazer depois da morte trágica dos irmãos. Mas agora, Baltazar e Rosarinha tinham-se superado nos esforços e compensado os anos de interrupção, a cozinha ganhou a sua própria árvore de Natal, a maior jamais vista, decorada com fitas, bolas, laços coloridos e, pela primeira vez, luzes; debaixo dela, presentes embrulhados, a papel verde para os meninos, a papel vermelho para as meninas; sobre a grande mesa de madeira, um banquete.

Ana olhava ao redor com gosto, sorria para tudo e para todos.

� Está perfeito � sussurrou quando se ouviram vozes a aproximarem-se vindas do exterior. � No próximo ano, temos mesmo de te vestir de Rei Mago.

Baltazar riu com um encolher de ombros.

� Farei jus ao meu nome � prometeu, solene �, mas tens de manter a promessa de que nunca haverá um Pai Natal.

� Nunca haverá um Pai Natal na Herdade do Lago � garantiu-lhe com um abraço e um beijo, que fizeram corar Rosarinha.

Eles eram um amor que ninguém vira chegar. Ninguém, exceto Rosarinha, que vira passar pelas suas mãos as cartas trocadas durante os anos; e no instante em que Baltazar voltou à Herdade do Lago e aqueles dois se encontraram olhos nos olhos, pela primeira vez adultos naquela casa, teve a confirmação da história de amor improvável que D. Crisálida, uma velhaca vidente e assustadora, lhe segredara havia mais de trinta anos. Ao ouvi-la, Rosarinha não acreditara nela, pois como podia acreditar em tal presságio, de que o pequeno Formiga, orfão, ainda mais pobre e desamparado do que todos eles, poderia um dia resgatar o sorriso da última herdeira dos Vaz, quebrar uma maldição de solidão e cuidar de todos eles? E se tal fosse verdade, porque lhe confiaria a si, uma pobre empregada, medrosa e infeliz, tamanho segredo? Agora, ao olhar para trás, era-lhe tão fácil perceber tudo, perceber que seria ela quem ficaria a cuidar de Ana durante aqueles últimos anos, a impedir que a solidão se instalasse, ela quem insistiria com Ana e Baltazar para que os dois continuassem a responder às cartas um do outro, assegurando-lhes que as muitas folhas escritas não seriam recebidas como um incómodo, mas sim gestos de amor em dias difíceis, conforto, um motivo para continuar a viver. Rosarinha não podia estar mais orgulhosa por ver agora os dois juntos, finalmente, e as tradições a regressarem em dias felizes.

Como brisa de tempestade, chegaram as primeiras crianças, entrando na cozinha, tímidas pela mão das suas mães, mas cada vez mais elétricas à medida que se aglomeravam a conta-gotas ao redor da mesa. A primeira gargalhada foi como o trovão que Ana Vaz tanto esperara ouvir. O silêncio da Herdade do Lago foi finalmente vencido e ela riu com a explosão do som. Todas as tentativas da tímida Rosarinha para conter as corridas desenfreadas, deter as chuvas de perdigotos que disparavam migalhas entre os dois lados da mesa, ou limpar fosse o que fosse, eram desincentivadas pela senhora da Herdade do Lago, encantada por ver preenchidos os grandes espaços à sua volta, deixados vazios pela ausência de uma família.

Entre a confusão, Baltazar sentiu-se observado, como última rabanada no prato, assim que Catalina lhe pôs os olhos ávidos em cima. A sua jovem pupila, registada com o cartão de leitor Nr.1 na biblioteca que ele fundara e dirigia, disparou na sua direção logo que cruzou a porta, urgente, e teimosa, na missão que incumbira a si própria há mais de uma semana.

� Já terminei! � disse ela, exibindo um caderno sofrido de folhas pautadas encarquilhadas.

Ele recebeu-a com o sorriso habitual, a calma que tentava amortecer a energia criativa e literária.

� Não és um bocadinho crescida para estares aqui? Crianças até aos dez anos � relembrou a indicação no convite que fizera circular pelas terras vizinhas.

� A minha tia pediu-me para o trazer � apontou Tico, o seu primo, que ela deixara à sua própria sorte entre as outras crianças da vila ao redor da mesa.

Catalina ignorou a sobrancelha torta de Baltazar, que denunciava a resposta como a desculpa esfarrapada que era para conseguir falar com ele mais uma vez, sobre o mesmo assunto que perseguia obstinadamente.

� É um conto natalício sobre as romãs! � continuou Catalina com entusiasmo redobrado, e pegando numa da fruteira sobre a mesa, juntou-a ao caderno, como se juntos, folha e fruto, tornassem a proposta mais apetecível.

� Ainda estou a pensar�

� Fala da tradição das romãs no Dia de Reis � interrompeu-o. � Encontrei um texto do Teófilo Braga: “Dia de Reis deitam-se três bagos de romã no lume para o ter aceso, três bagos na caixa do pão e três no bolso do dinheiro para ter dinheiro e pão.� Ele fundamenta o meu. É jornalismo! Tal como disseste.

� Parece muito interessante e oportuno � elogiou-a, tanto pelo esforço como pela paixão literária �, mas ainda estou a pensar se�

� Claro que vamos aceitar! � Afirmou Catalina, arrancando a folha do caderno de argolas tortas e apresentando-a frente aos olhos como uma dívida pendente de cobrança urgente. � Este povo precisa de cultura � sussurrou-lhe a estilo de enfermidade alheia muito necessitada de cura.

Juntos, olharam em redor, a algazarra na cozinha confirmava tanto a convicção de Catalina como as grandes dúvidas de Baltazar sobre a questão que os dividia na última semana: aceitar, ou não, a proposta do presidente da junta de freguesia para fundar um jornal em Mont-o-Ver.

� Prova um bilharaco para vermos se é possível adoçar-te um bocadinho a alma � riu ele, aceitando a folha escrita a letra adolescente e trocando-a pela iguaria de abóbora frita.

Catalina trincou-o de imediato, o que não a impediu de continuar a falar de boca cheia. � Já tenho uma lista de temas, não te preocupes que não nos vai faltar o que escrever.

� Não dúvido � murmurou.

� Vou escrever até me sangrarem os dedos � prometeu-lhe, enquanto os lambia pegajosos de açúcar e canela. � Esta terra nunca mais será a mesma.

� Não dúvido � repetiu Baltazar, sorriso um pouco resignado, mais temeroso do que nunca.

Os últimos chegaram atrasados, como sempre, sete crianças numa marcha de patos visivelmente alinhados a contragosto, liderados por Zé Mau, adolescente com cara de poucos amigos, e no final Barbicha, o descontraído bem-disposto que fechava a fila a ritmo de assobio natalício. Eles eram o bando dos canaviais, crianças vindas do bairro mais pobre e longínquo, esquecido lá para os lados dos campos alagados, os que mais precisavam, e menos queriam estar ali. Foram entrando na cozinha já cheia, ignorados pelos olhares das mães das crianças da vila no desdém habitual. Mas a alegria de Rosarinha, a doce cozinheira, ao ver o filho chegar disfarçou a hostilidade do povo da vila. Zé Mau deixou-se abraçar pela mãe e aproveitou a oportunidade para devolver o desdém, com um olhar desafiador, às mulheres, e um especial a Catalina que por um instante deixou o seu caderno de argolas tortas e de editar o seu texto, já que os dois nunca perdiam a oportunidade para trocarem um insulto camuflado e manter de boa saúde o seu ódio de estimação de há tantos anos.

� Agora, sim, é Natal! � festejou Rosarinha, puxando também o sobrinho para o abraço.

Mata-Mata, rapaz pouco dado a afetos e com urticária ao toque de pele humana, rosnou ao ser arrastado pela tia, no entanto, não fugiu.

Com a cozinha sobrelotada e tantas conversas cruzadas que mais parecia que uma magia negra de Natal a transformara num galinheiro, Ana Vaz não podia estar mais radiante. Apenas os membros do bando dos canaviais esperavam em silêncio, olhos em todo o lado, narizes impregnados de cheiros deliciosos e bocas salivadas, mas fechadas.

� Toda a gente de bico-calado � essa fora a ordem de Zé Mau ao saírem do bairro. � E ninguém pestaneja sem eu autorizar.

Fora uma ordem que não deixara dúvidas, e eles quase nunca desacatavam uma ordem do líder do bando.

� Porque temos d’ir outra vez a essa merda? � Contestara Mata-Mata a ordem do primo.

� Porque se não aparecermos, a minha mãe vem buscar-nos pelas orelhas.

Mata-Mata limitara-se a resmungar com um «Assim que deia, vou pôr-me no caralho de lá para fora, aviso já!», e também ele, daquela vez, acatara a ordem.

Ali estavam todas, as crianças da vila, as do bairro, finalmente a cozinha repleta e a tradição retomada.

� Venham buscar as vossas prendas � pediu Ana, junto à árvore de Natal.

Do grupo do bando dos canaviais, os irmãos Marcolino, tão felizes quanto três cães hiperativos, foram os primeiros a abandonar a disciplina e lançaram-se às primeiras caixas que conseguiram pôr mãos em cima.

Ana Vaz ainda tentou alertá-los, quando um deles escolheu um embrulho em papel vermelho, destinados às meninas, mas o demónio da destruição já se apossara de todos por contágio, na euforia de rasgar papel.

� Oh, Barbicha, esta é para ti � riu Mata-Mata, arrancado a caixa das mãos do Marcolino que estava confuso por a sorte lhe ter dado uma boneca acompanhada por meia-dúzia de escovas, em vez do conjunto de carrinhos igual ao que calhara aos seus dois irmãos.

Barbicha, rapaz discreto, de cabelo sempre bem penteado e uma penugem de bigode, não aceitou a provocação do comentário de Mata-Mata, o terrorista, apenas franziu a sobrancelha, e continuou a penicar a sua rabanada sem pressa.

� Eu também querera minha � balbuciou Badé, um dos meninos mais pequenos que procurava, entre a confusão, uma caixa ainda fechada que pudesse vir a ser sua.

� Quando aprenderes a falar em condições � Mata-Mata deu-lhe um encontrão e foi garantir que nenhum azeiteiro, entre os putos da vila, ficava com as prendas deles, já que Barbicha era um imprestável preguiçoso e o seu primo Zé Mau estava mais preocupado com parecer bem educado, a comportar-se como um peixe morto.

Trocas de presentes foram levadas a cabo entre rapazes e raparigas para satisfação geral. A selvajaria do bando dos canaviais, que depressa esquecera a ordem do seu líder, Zé Mau, só encantava ainda mais Ana. E foi só então, quando a árvore se esvaziou de presentes e a cozinha conseguiu ganhar um pouco de espaço, que ela a viu pela primeira vez. Era como um pequeno fantasminha branco, a menina albina de quem já ouvira os empregados falar; falava-se em magia branca, em profecias, em vozes do outro mundo, dons inexplicáveis e a ignorância mantinha o povo cativo do medo.

A menina viera com o grupo do bando dos canaviais, crianças cujos pais não tinham tempo ou interesse em acompanhar os seus filhos até ali, e estava sozinha à beira da árvore de Natal, tão pequena quanto uma criança de seis anos poderia ser, rosto elevado, a observar a estrela no topo, cabelos brancos escorridos, pele quase transparente. A curiosidade levou a melhor de Ana, e ela baixou-se à mesma altura da menina.

� Olá � disse-lhe baixinho.

A menina voltou-se e o espelho dos seus olhos metálicos desfocou o mundo ao redor delas. Num primeiro instante, Ana temeu que, se lhe tocasse, ela desapareceria.

Badé, um pouco maior, mas igualmente silencioso e tímido, juntou-se a elas, algo curioso, meio fugido do terrível Mata-Mata.

� Eu sou a Ana, e vocês? � perguntou sorrindo para os dois. � Como se chamam?

Chamar-meBadé � sorriu ele de volta, mãos nos bolsos com rebordos de migalhas dos dois bolos que roubava, um para a sua mãe que nunca saía de casa, outro para a irmã que já era grande e não podia vir ao Natal na Herdade.

A menina pareceu precisar de pensar na resposta, ou estar apenas encantada com a visão do rosto de Ana Vaz, tal como ela estava com o seu.

� Cuca � disse, finalmente.

� Cuca. Gostas da árvore, é?

Voltou a olhar o topo e Badé imitou-a.

� Da estrela � sorriu.

� Bonita � comentou Badé, olhando toda a árvore e tocando-a com a ponta dos dedos, fazendo algumas bolas balançar.

� Há muito, muito tempo � segredou Ana Vaz o início da lenda �, na noite de Natal, existiam três árvores junto do presépio: uma tamareira, uma oliveira e um pinheiro.

Cuca e Badé voltaram toda a sua atenção para aquela voz encantada, rosto curioso com o que estava prestes a revelar-lhes.

� Ao verem o Menino Jesus nascer � continuou Ana, pegando na pequena estatueta do menino que estava no presépio �, as três árvores quiseram oferecer-lhe um presente.

� Qual presente? � perguntou Cuca, aceitando a pequena figura do bebé rosado em porcelana que lhe passava para a mão.

� A oliveira foi a primeira a dar a sua oferta, e presenteou o Menino Jesus com as suas melhores azeitonas. A tamareira foi logo a seguir e ofereceu-lhe as suas tâmaras mais doces. Já o pinheiro� como não tinha nada para oferecer, ficou muito triste.

Os olhos de Cuca perderam brilho pela tristeza do pinheiro, Badé parou expectante e Ana compensou-os colocando ainda mais amor na voz da sua lenda.

� As estrelas do céu, ao verem a tristeza do pinheiro, que não tinha o que oferecer ao Menino Jesus, decidiram descer à terra e pousar sobre os galhos, iluminando e embelezando o pinheiro. E quando isto aconteceu� o Menino Jesus olhou para o pinheiro, levantou os braços e sorriu, feliz! Diz a lenda que foi assim que o pinheiro, enfeitado com luzes e uma estrela no topo, foi escolhido com a árvore de Natal.

Os três sorriram e Cuca abraçou Ana, braços pequeninos em redor do pescoço. Quando se voltaram a olhar, teve uma vista privilegiada dos dentinhos pequeninos de peixe, que transformava o semblante angélico da menina albina num pequeno ser perigoso e assustador, que explicava o falatório do povo, e então riu ainda mais.

Aquele era um instante perfeito, Ana Vaz estava tão feliz quanto era possível estar-se. Tal como acontece a muitos de nós em tais momentos de pura felicidade, ela distraiu-se e caiu na armadilha que é o pensamento. Era efémero, aquele momento, tal como sempre era a felicidade.

Foi apenas por um instante, este tropeção de Ana, distraída da felicidade presente pelos seus receios sobre o futuro, mas a Baltazar, sempre vigilante do brilho nos olhos negros, não lhe passou despercebida o reflexo de tristeza. Sem perder tempo, ele chamou a atenção das crianças para si com um assobio longo. Aquele momento junto à árvore e a lenda contada por Ana às duas crianças, deu-lhe uma ideia para tornar realidade o desejo dela, numa tradição contrária ao próprio calendário: tornar aquele dia o mais longo do ano.

� Quem quer ouvir uma história?

Ele era bibliotecário, escritor, e sabia o efeito daquelas palavras. A jovem Catalina conhecia-as melhor do que ninguém, foi com elas que a encantou na pequena biblioteca itinerante com que invadiu aquele vilarejo, espalhando livros por toda a parte.

As corridas desviaram-se na direção de Baltazar, umas atrás das outras, as crianças acotovelaram-se de volta aos lugares nos dois bancos corridos que ladeavam a grande mesa de madeira, agora com mais pratos vazios do que cheios, nenhum deles por provar. Ombro com ombro, esgotaram o espaço, depois sentaram-se pelo chão junto à lareira, a pequena Cuca ao colo de Ana, os três irmãos Marcolino num trio de espelhos em escadinha, Mata-Mata fingindo-se desinteressado, Rosarinha aproveitando para ajeitar o cabelo do filho quando Zé Mau e Barbicha abandonaram por fim a sua vigia, e também eles encontraram um lugar no chão. Juntou-se o silêncio, o pequeno Badé ainda saltitava à procura de um lugar especial. Todos tinham os olhos postos no homem de pele negra, que abria um grande livro de contos de Natal, quando a magia chegou numa nova historia ao som da voz de Baltazar.

Feliz Natal!

1 like ·   •  0 comments  •  flag
Published on December 20, 2023 14:28

October 10, 2023

A mais importante das histórias

Gabriel Garcia Marquez disse, na frase de abertura do primeiro volume da sua obra autobiográfica intitulada “Viver para contá-la�:

“A vida não é aquela que se viveu, é a que recordamos, e como a recordamos para contá-la.�

É a maior das histórias!

A Vida, a nossa, em que somos a personagem principal (ou deveríamos ser) a narrativa pessoal que começamos a criar desde a primeira memória, a história dos outros (ou sobre os outros), tudo o que vamos vivendo e compondo e continuando a editar em permanência.

E se assim é, não nos torna a todos uns contadores de histórias?

Há com certeza uma grande diferença entre nós e Gabriel Garcia Marquez, bem sabemos, usar a palavra para bem-contar uma história é uma arte que poucos conseguem aperfeiçoar com mestria de grande escritor, mas aquela magia de “contá-la no nosso silêncio�, quando falamos de nós para nós, naquele cantinho secreto dentro da nossa cabeça onde vale tudo, é uma questão de sobrevivência!

Quantas vezes tivemos de recorrer à nossa criatividade para tornar um momento terrível da nossa vida numa comédia? Talvez uma comédia negra, mas uma reivenção da realidade para não nos deixarmos vencer por circunstâncias ou perder a fé na humanidade de uma vez por todas.

Tu sabes bem do que estou a falar. Já todos nós passamos por lá.

Reinventamos e inventamos! Porque há tanto que não se sabe e que se tem de preencher para que a nossa história continue a fazer sentido� na direção que bem queremos, claro está!

Conhecemos uma pessoa pela primeira vez, inventamos-lhes toda uma personalidade, atribuimos-lhe um lugar na nossa história, o lugar da personagem que nos convém, claro está! Até mesmo com quem nos é mais próximo:

- os nossos pais (que obviamente são os culpados de traumas, vícios e paranóias, a origem de todos os nossos problemas estruturais)

- maridos, mulheres, namorados e namoradas (que mesmo depois de décadas de vida em comum, camas e casas de banho partilhadas, certo dia olhamos para o lado e: “quem raio é este ser que se atreve a respirar do mesmo ar que eu?�)

- Filhos (que eu não tenho) mas que quem os traz ao mundo e os vê crescer atentamente dia após dia, certo jantar se sentam à mesa e dizem que já não gostam do cabrito assado que levou dois dias a preparar e que até então era o seu prato favorito, porque afinal são vegetarianos.

Bem já estou a divagar e ainda não falei do livro que é a causa desta conversa toda.

***

Amor & C.ª de Julian Barnes, é um daqueles livros que tenho na estante há anos de se perder a conta, porque eu sou uma grande fã do Julian Barnes e este faz parte daquela prateleira especial da estante que tem livros que eu sei que vou adorar e o espírito de formiga que vive em mim desde que aprendi a “guardar coisas para um dia� ali os deixa, à minha espera para quando mais preciso.

E eu nunca precisei tanto como neste último mês!

Em Amor & C.ª conhecemos 3 amigos, o Oliver, o Stuart e a Gillian. O Oliver e o Stuart são melhores amigos desde o tempo da escola, não poderiam ser mais diferentes O Stuart é ponderado e introvertido, o Oliver excêntrico e extrovertido, a Gillian surge na vida dos dois quando conhece o Stuart e se casa com ele. Tudo ótimo, se não fosse o pormenor de que, no dia do casamento, o Oliver se apercebe de que está apaixonado pela Gillian que é agora mulher do seu melhor amigo.

Apesar de uma história de amor rocambolesca não ser exatamente o que o médico me recomendaria, um bom escritor sabe como reiventar a roda e Julian Barnes reiventa a roda neste livro porque estas três personagens são qualquer coisa que não se esquece e o que mais me está a cativar (sim, porque ainda não terminei de o ler mas tinha de falar sobre isto para conseguir dormir hoje) o que mais me fez abrandar a passagem das páginas é a simplicidade genial desta história, que é narrada pelos três, não no típico formato 1 capítulo por personagem, mas antes numa alternância sem regras, por vezes são várias páginas, por vezes são poucos parágrafos, e os três, Oliver, o Stuart e a Gillian falam quase exclusivamente uns dos outros, e relatam mais ou menos as mesmas coisas, os mesmos acontecimentos e são histórias diferentes, cada um tem a sua história.

E foi esta magia tão simples que ficou comigo, este exercício que todos fazemos, ao contar as nossas próprias histórias, as nossas narrativas pessoais, tão singulares, tão egocêntricas e descontextualizadas.

É que ao ouvir estas três personagens, apercebemo-nos de que existem tantos ângulos mortos quando nos olhamos, se nos olhamos ao espelho, uns aos outros, mesmo olhos nos olhos, não importa o quão próximos, há todo um mundo privado em cada uma das histórias que inventamos.

Entre o editar o nosso passado e alucinar com o futuro, somos realmente todos como contadores de histórias a tempo inteiro! Aliás, não é por acaso que é necessário fazer meditação para nos ancorar por cinco minutos que sejam. Porque nós, oh mente mais inquieta que mar turbulento. Não paramos! Porque é a mais importante das histórias, a nossa, a mover-se à velocidade do mundo, qualquer coisa como 100km/h, diz o Google.

2023 está a ser o ano mais louco da minha vida, tudo me tem acontecido! Vida pessoal, profissional, social, literária, coisas boas, coisas más, mal tenho conseguido acompanhar.

Sabes aquela brincadeira parva que fazíamos em pequenos, em que rodopiávamos cada vez mais rápido para parar de repente e sentir aquela vertigem em que o mundo continuava a rodar e o desafio era só aguentar sem cair, é o meu ano de 2023.

A boa notícia: ainda não caí para o lado e o mundo parece finalmente começar a abrandar.

Isto tudo para dizer que a GRANDE história é sempre composta de várias histórias, vários capítulos e se em algumas alturas tudo começa a gritar “plot twist� a cada quinze dias, é normal que possas ter um colapso nervoso no meio do supermercado só porque não consegues encontrar o carrinho com a meia dúzia de produtos das compras que andas a fazer há uma hora.

***

“És a tua própria história e por isso és livre para imaginar e experienciar o que significa ser humano.�

Disse Toni Morrison, Nobel da Literatura, autora de “Beloved� e “� num discurso que deu a alunos finalistas do Wellesley College em 2004.

E continua dizendo:

“E embora não tenhas controlo absoluto sobre a narrativa (nenhum autor o têm, asseguro-te) podes ainda assim criá-la.

Embora nunca conheças na totalidade as personagens que surgem ou desestabilizam o teu enredo, nem consigas manipulá-las, poderás respeitar aquelas que conheces dando-lhes atenção e respeitando-as. O tema que escolhes pode mudar ou simplesmente iludir-te, mas seres a tua própria história significa que podes sempre definir o seu tom. Também quer dizer que podes inventar a linguagem para dizer quem és e qual o teu propósito. Mas, eu sou uma contadora de histórias e por isso uma otimista…�

confessa Toni Morrison�

�...alguém que acredita na ética do coração humano, alguém que acredita que a mente se repulsa perante a fraude, ávida pela verdade, sou alguém que acredita na ferocidade da beleza. Por isso, do meu ponto de vista, que é aquele de uma contadora de histórias, já vejo as vossas vidas como vidas cheias de arte, preparadas, apenas à espera que a tornem uma arte.�

É um discurso muito bom de se ouvir, para poderes ouvi-lo na íntegra.

***

Passamos muito tempo a construir a nossa história, a que dá sentido à nossa vida, nos dá uma identidade, nos faz levantar todas as manhãs.

Em alguns momentos, como o meu 2023, as coisas mudam e obrigam a repensar todo o enredo, porque por mais que se queira, por mais amor que se tenha a esta nossa GRANDE história, às vezes, torna-se impossível mantê-la.

É preciso tempo. Os livros, como sempre, ajudam, como os melhores companheiros, os silenciosos.

Somos todos aprendizes nesta arte que é a criação contínua da nossa narrativa pessoal. Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Quem nos acompanha?

Vivemos, conversamos, conhecemo-nos, escrevemos, criam-se livros.

1 like ·   •  0 comments  •  flag
Published on October 10, 2023 01:33

June 14, 2023

Penguin Magazine

1 like ·   •  0 comments  •  flag
Published on June 14, 2023 06:23

June 10, 2023

O que aprendi com... Almudena Grandes

Uma escritora que alcançou um feito admirável, conquistar popularidade entre o público de leitores e êxito no meio literário com um enorme reconhecimento pela crítica.

Neste episódio do podcast falo-te sobre Almudena Grandes, uma das escritoras mais célebres da literatura contemporânea espanhola.

Considerava-se uma mulher de sorte, porque os leitores lhe permitiram viver o seu sonho: uma vida dedicada à escrita.

Com Almudena Grandes aprendi que:

É possível ter o melhor de dois mundos em divergência Que os leitores devem ser respeitados pois eles são a liberdade de um escritor E que devemos estar sempre� agradecidos pela vida.

Bem-vindo a um novo episódio!

A vida de leitor é composta de inúmeras fases. Seja por períodos em que lemos muito, ou pouco; em anos dedicados à leitura de thrillers, de romances históricos, ficção, não-ficção ou até aquelas paixões literárias por certos e determinados escritores.

O meu último ano tem sido dedicado à literatura em língua espanhola. Por motivos profissionais precisei de melhorar o meu espanhol, e quem melhor, pensei eu, para ensinar um idioma do que os escritores?

Então fiz o que nunca fazia, voltei a ler livros pela segunda vez, mas na sua versão original e enchi as minha estantes com uma nova língua.

Para além de ter tido oportunidade de reler alguns dos meus livros favoritos, muitos anos depois, como por exemplo A Casa dos Espíritos, A Sombra do Ventos ou Cem Anos de Solidão� esta imersão na língua espanhola fez-me descobrir também novos autores como Fernando Aramburu, Rosa Montero e� Almudena Grandes!

O episódio de hoje é sim, sobre Almudena Grandes, mas se eu continuar nos próximos tempos embrenhada em escritores espanhóis ficas desde já a saber porquê.

Por estes dias muitos de nós temos estado imersos na Feira do Livro de Lisboa, muitos encontros, muitas conversas e� um dos temas, sempre quentes tanto nas conversas mais privadas entre sejam autores sejam leitores, tem que ver com a qualidade, ou a percepção de qualidade, de determinados livros.

Opiniões são sempre opiniões, mas, por norma, temos de um lado os ditos críticos literários, a elite, os nichos, e temos por outro o grande público, a chamada literatura comercial, popular.

Há argumentos de um lado e outro, como em todas as discussões (seja qual for o tema) e neste em particular fez-me lembrar desta minha recente paixão� Almudena Grandes, uma escritora que alcançou um feito admirável:

conquistar popularidade entre o grande público de leitores e o êxito no meio literário, com um enorme reconhecimento pela crítica.

Isto sim, é um verdadeiro feito!

Em entrevista Almudena Grandes diz: frequentemente, quando se fala da estrutura industrial das editoras, da influência do marketing, e de como o livro se tornou num objeto de consumo, os leitores são muito mal tratados, fala-se que os leitores não têm nível, etc. …e nessa discussão omite-se algo que para mim é fundamental: é que os leitores são a liberdade de um escritor.

Diz ela:

Eu escrevo os livros que quero ler porque os meus leitores me dão de comer. Se os meus leitores me falhassem, teria de começar a escrever os livros que “outros� querem que eu escreva� e aí tudo falharia� porque encontraria outros leitores, mas não os meus, não os que gosto.

Por isso os meus leitores são importantíssimos para mim, porque eles são a minha liberdade.

E continua dizendo:

(...) Falo sempre a favor dos leitores, os leitores são como uma estirpe de resistentes, entrar numa livraria neste instante em concreto da história, em que toda a gente tem em casa incontáveis distrações multicolores, entrar numa livraria e estar meia hora para escolher um livro, é um ato de resistência, porque exige consciência na escolha� podes estar a ver televisão e a fazer várias coisas ao mesmo tempo� estás a ler um livro não podes fazer outras coisas.

Almudena Grandes começou a escrever sobre a história do seu país quando se apercebeu de que havia “algo de estranho ao olhar o passado�, alguma coisa que não compreendia, que no tempo atrás de si havia um processo misterioso que tinha de ser desvendado.

Assim, grande parte da sua obra caracteriza-se pelo seu interesse pela história recente de Espanha, abordando temas como a Guerra Civil Espanhola e o regime de Franco. Os seus romances combinam frequentemente elementos históricos com enredos emotivos e personagens complexas, o que deliciou a crítica e o grande público.

Almudena Grandes recebeu numerosos prémios e distinções ao longo da sua carreira, incluindo o Prémio da Crítica de Madrid, o Prémio de Literatura de Madrid e o Prémio Sor Juana Inés de la Cruz. A sua obra está traduzida em várias línguas e goza de grande popularidade tanto em Espanha como no estrangeiro.

Ao apresentá-la assim, vai surpreender a muita gente saber que foi com um livro erótico que ela se destacou bem jovem e conseguiu reconhecimento.

“Las Edades De Lulu� é o título deste livro que penso não está traduzido para português, e seria “As idades de Lulu�

Um livro de ousadia, em que Almudena Grandes se quis mostrar capaz de abordar temas duros e delicados num período que se seguiu à ditadura.

Foi adaptado para cinema e também a sua adaptação foi um sucesso aclamado.

Como explicar este sucesso?

“Há muitos anos que ando a dar voltas a essa pergunta� diz Almudena rindo “eu e muita gente, e não sei se acabamos por chegar a alguma conclusão. É um romance que não triunfou por ser erótico, mas por ser o romance de uma geração� uma geração que foi educada para viver em adultos, num país que nunca chegou a existir, Franco morreu e nós, a minha geração, quis cortar com o passado, revoltar-se contra os nossos próprios pais. Agitou-se uma garrafa de champanhe durante 40 anos, quando se abriu a rolha explodimos. Uma geração que se propôs viver em excesso e sem culpa.�

Na sua obra distinguem-se duas etapas:

A primeira com 4 obras que espelham o universo sentimental das mulheres espanholas da sua geração. Onde ela explora conflitos de identidade, de uma panóplia de ângulos imenso, como ela própria o identifica: são desde conflitos de identidade sexual, sentimental, política, ideológica, familiar, moral, laboral até chegar aos profissionais e económicos, e por fim deu-se conta de que já não tinha mais nada para contar.

Um momento que, ela reconhece, que foi de profunda consciencialização e pânico. (eu consigo imaginá-lo bem) e então Almudena ao compreender isto, viu-se perante a famosa pergunta: o que vou eu escrever agora? Agora que faço?

Então, depois de uma temporada de incerteza, escreveu “o primeiro livro do resto da sua obra� O livro que lhe abriu a porta a algo diferente e que a deixava muito feliz. Esse livro foi “Coração Gelado� o início da segunda etapa literária, com um grupo de narradores omniscientes que adoptam diferentes visões perante os mesmos conflitos, e que se prolonga na que viria a ser a série “Uma Guerra Interminável�

“A Mãe de Frankenstein� é o quinto livro desta série “Uma Guerra Interminável� e foi a minha porta de entrada no universo de Almudena Grandes.

Este foi um livro para o qual encontrou inspiração para o escrever num caso real. Na história de uma assassina, Aurora Rodríguez Carballeira, que matou a própria filha com quatro tiros. Ela leu aquele artigo de jornal e a Aurora Rodríguez Carballeira ficou-lhe na memória porque nunca a conseguiu odiar, o que ficou consigo foi a pergunta: o que se passaria na cabeça daquela mulher?

E isto, é a melhor semente para uma história� a incompreensão sobre o outro.

Assim lhe surgiu a figura central para abordar a vida das mulheres espanholas, dando a conhecê-las ao mundo.

Em “A Mãe de Frankenstein�... conhecemos Aurora Rodríguez Carballeira pelos olhos de Germán Velázquez, um jovem psiquiatra que tem vivido no exílio há quinze anos e regressa a España para trabalhar num manicómio de mulheres onde reencuentra Aurora, que tem lá estado internada por ter assassinado a própria filha. Esta mulher muito inteligente, muito paranoica, fascinó German quando ele era ainda criança e o seu pai foi um dos intervenientes no julgamento desta.

Neste manicómio conhece María Castejón, uma auxiliar de enfermaría que tem vindo a cuidar de Dona Aurora ao longo dos anos e pela qual sente uma grande gratidão porque foi esta assassina paranóica que a fascinou durante toda a infância, foi quem a ensinou a ler e a escrever quando era uma menina pobre, apenas a neta de empregados do manicómio.

Germán, que se sente atraído por María, e que percebe que esta atração é mútua, não entende a sua rejeição e suspeita que a sua história de vida, tão intrincada com a de Dona Aurora, esconde muitos segredos.

Esta é apenas a linha narrativa mestra desta grande história. Descobre-se muito sobre estas duas mulheres, sobre outras mulheres que habitam o manicómio, assim como os médicos, e muitas outras personagens da vida pessoal de German durante o seu exílio na Suíça.

A envolver todo este conjunto de personagens riquíssimas, Almudena Grandes retrata uma españa submergida por um ambiente opressor, dirigida por uma classe de políticos e um clero que encobre abusos, impede o progresso, em nome dos bons costumes e em favor de interesses próprios.

Mas atenção, esta série “Uma Guerra Interminável� não se trata de um retrato sobre a ditadura de Franco, nem sobre a política, a igreja� é uma série, uma obra sobre as pessoas! As personagens são a alma e a verdadeira riqueza da obra de Almudena Grandes.

Tem um trabalho de investigação história gigantesco, obviamente, admirável, mas são as personagens criadas por ela que agarram o leitor, que nos fazem ler e ler e ler.

Tenho de admitir que não me surpreendia tanto com uma descoberta literária desde� desde que li Vargas Llosa pela primeira vez� e é maravilhoso!

� e quando digo isto, qualquer leitor percebe o que estou a quero dizer, porque descobrir um novo escritor favorito� ainda por cima com uma obra tão vasta, é como descobrir mais um país, ou antes, todo um continente com muitos países� onde de certeza nos vamos perder por hora e horas e ser muito felizes!

Infelizmente, Almudena Grandes faleceu recentemente, em 2021, com apenas 61 anos, com certeza, com tantas outras histórias maravilhosas ainda por contar.

Mas considerava-se uma mulher de sorte, ou antes, ainda mais do que uma mulher de sorte como o confessou em entrevista, uma mulher privilegiada. Porque o é qualquer pessoa que consegue dedicar-se a um trabalho vocacional. Sempre desejou ser escritora, foi uma GRANDE escritora.

Quando questionada sobre qual a diferença entre a Almudena que escreveu Lulu o seu primeiro livro de sucesso e a que escreveu “Os Pacientes do dr. Garcia�, sorri, responde: 30 anos, muito tempo, ganhei coisas, perdi coisas, mas fiquei a ganhar, porque felizmente amadurecer não é só engordar e ganhar rugas, agora escrevo muito melhor, sou mais consciente.

Tem medo de perder leitores?

"Não. Porque não posso pensar nisso. Que tipo de escritora seria eu se na hora de escrever um livro pensasse ai que vou perder leitores� acredito que esse é o caminho direto a um mau livro e nunca o devemos tomar."

Escrevia todos os dias, a trabalhar em algo que não existia, porque diz-nos Almudena Grandes um livro não existe até ser terminado.

Links para as entrevistas citadas:

1 like ·   •  0 comments  •  flag
Published on June 10, 2023 04:24

"Todas as Palavras"

Para ver aqui:

 •  0 comments  •  flag
Published on June 10, 2023 04:13

November 28, 2022

Calendário do Advento Literário

Dezembro está à porta e eu já comecei os preparativos para o mês das festividades.

Não só caminhamos a passo e passo para o Natal como também é o aniversário aqui do podcast.

Para comemorar, convidei os amigos para se juntarem à festa, os amigos convidaram outros amigos e ainda me aventurei a um ou outro convite mais audaz para aquele escritor que sempre quis conhecer e com o qual nunca tive a sorte de me cruzar.

O resultado: um calendário do advento literário, cheio de escritores portugueses contemporâneos que todos temos de conhecer e com livros que ninguém deve perder.

Neste episódio do podcast vou contar-te tudo, ou melhor, quase tudo, sobre o que está prestes a chegar.

Bem-vindo!

***

Pois é, já estamos em contagem decrescente para dezembro, o grande mês das festividades e dos excessos. Pois bem, eu sou uma moça que acredita nas tradições e por isso estou a preparar-me há um mês para isto!

Se acompanhas aqui o podcast desde o início, talvez te lembres que a minha estreia foi em� exato dezembro do ano fatídico de 2020!

Todos presos em casa com tempo de sobra e eu disse para mim mesma: Maria Isaac é agora ou nunca! Se não começas o podcast que andas a pensar fazer há milénios, nunca vai acontecer.

Pois aconteceu e vamos lá celebrar o segundo aniversário!

Tenho então tooooodo um mês de festividades e, para comemorar, o que fazer?

Misturei tudo na Bimby, aniversário e Natal, e saiu uma coisa melhor do que sopa!

O resultado: um calendário do advento literário, cheio de escritores portugueses contemporâneos que todos, sejam leitores-ocasionais ou leitores-compulsivos, tem de conhecer, e com livros que não devemos perder.

Esta é a parte em que vos conto “quase� tudo, porque naturalmente não posso revelar os nomes dos escritores que se vão juntar aqui ao podcast no próximo mês.

O que sim posso dizer-vos é que em cada episódio vou falar-vos sobre um autor e um livro em específico, escolhido por ele (ou por ela) e que vais depois poder ouvir um trecho desse livro lido pelo próprio autor, sim, é verdade, vais poder ouvir um bocadinho de, talvez um livro favorito, talvez aquele que andas para ler há muito tempo, talvez um que nem conhecias na voz de quem criou essa história e escreveu cada uma das suas palavras.

Um bónus para quem tem um perfil no instagram é que também vai poder vê-los porque vou publicar pequenos vídeos com o início da leitura.

Ai que estou aqui num xitex para vos mostrar tudo porque já comecei a receber os vídeos e é tão bom vê-los e ouvi-los.

Mas tu vais ter oportunidade de os descobrir também, um a um, um por dia, todos os dias do calendário do advento.

A começar já no dia 01 à meia-noite (porque a meia-noite é mística de natal e vou programar a publicação de todos os episódios para essa hora) e vai terminar na véspera de natal, 24.

Garanto-te que há pelo menos um escritor favorito teu neste calendário do advento! Porque é uma lista fantástica, em que um dos meus principais objetivos quando a estava a organizar foi garantir que era o mais diversificada possível. Ou seja, estão incluídos desde escritores muito experientes e conceituados a escritores que acabaram de publicar o seu primeiro livro, que escrevem romance, thrillers, distopias, fantasia, não-ficção, há para todos os gostos.

No entanto, uma vez que só temos 24 dias e muito mais escritores contemporâneos portugueses que eu gostaria muito de poder ter comigo aqui no podcast, convido-te desde já a ti para desafiares os teus escritores portugueses favoritos a fazerem uma publicação própria e a partilhar este natal a leitura de um trecho do seu livro. Vamos fazer estes escritores todos sair da casca e inundar a internet de histórias escritas em português, porque o português está na moda!

Se sentires alguma hesitação na resposta de algum escritor, não te preocupes, porque quem sabe ele talvez já esteja aqui no calendário do podcast.

Mal posso esperar por dezembro, para começar a partilhar contigo estes escritores maravilhosos e os seus livros incríveis.

Que comecem as festividades!

Não esqueças que durante todo o mês de dezembro, à meia-noite, há um novo episódio� com um escritor que tens de conhecer e um livro que não podes perder.

2 likes ·   •  0 comments  •  flag
Published on November 28, 2022 07:16

September 24, 2022

O que aprendi com... Carlos Ruiz Zafón

Carlos Ruiz Zafón conquistou o mundo com a sua saga “O Cemitério dos Livros Esquecidos�, uma misteriosa teia literária magnífica que tem como cenário Barcelona de finais do século XX.

Começa com o seu livro mais popular “A Sombra do Vento�, uma metáfora de memória, de sentimentos e da natureza humana� como não poderia deixar de ser, nos seus expoentes.

Tornou-se no escritor espanhol contemporâneo mais lido em todo o mundo e com mais de 30 anos de ofício literário muito me ensinou ele sobre esta mania de escrever histórias.

Com Carlos Ruiz Zafón, aprendi que:

A linguagem é uma forma de música Uma cidade também pode ser uma personagem

E que:

Manter a ilusão da simplicidade é o maior dos trabalhos

Bem-vindo a este novo episódio!

Um livro esquecido, é um sentimento de tristeza.

Pelas mais variadas razões, há livros que acabam perdidos no tempo� vítimas de injustiças, de censura, daquela indiferença criada pela simples passagem do tempo.

Eu acredito que é esta, chamemos-lhe, tristeza nostálgica por livros esquecidos, uma das razões pelas quais nós, aficionados da leitura, tanto gostamos de passar horas a deambular por livrarias, a percorrer estantes, a explorar com especial dedicação e afinco lojas de livros usados à procura de� não sabemos bem qual livro, mas, sabemos que quando o virmos vamos reconhecê-lo.

Não resistimos à oportunidade de resgatar um livro esquecido.

Na sua tetralogia “O Cemitério dos Livros Esquecidos�, Carlos Ruiz Zafon relembra-nos deste sentimento, destes livros esquecidos, mas não só.

É uma série de quatro livros BRILHANTES, uma combinação de mestre da melhor escrita literária com o fascínio hipnótico dos melhores thrillers policiais que resulta numa teia labiríntica na qual entramos para encontrar livros esquecidos, pessoas esquecidas, memórias esquecidas, amores, ódios, heróis, vilões, novos amigos e velhos inimigos.

Começa com “A Sombra do Vento�, e digo “começa� apenas porque sigo a cronologia das datas de publicação. Esta saga é livre! Os livros não têm uma ordem de leitura obrigatória e por isso cada um de nós pode lê-los como bem entender.

“A Sombra do Vento� começa com uma memória de infância de Daniel Sempere, o personagem principal, numa manhã de 1945 em que o seu pai o leva a conhecer um lugar secreto, um lugar que só os apaixonados por livros, puros de coração, tem o privilégio de saber da sua existência. Assim descobrimos com Daniel o cemitério dos livros esquecidos, um lugar inacreditável, um labirinto que guarda todos os livros. Quem lá entra pela primeira vez, pode escolher um entre milhões, que deverá depois guardar e proteger durante toda a sua vida. É no momento em que escolhe um livro de Julian Carax, um escritor misterioso, talvez maldito, talvez amaldiçoado, que começa uma intriga apaixonante de segredos enterrados numa Barcelona muito diferente da que conhecemos hoje.

E nos deixa com a dúvida: somos nós que escolhemos os livros? Ou são eles que nos escolhem a nós?

Seguiu-se “O Jogo do Anjo� publicado sete anos depois, em 2008.

Numa mansão abandonada, David Martin, um jovem escritor, escreve romances sensacionalistas para ganhar a vida. Depois de sobreviver uma infância conturbada, ele encontrou no mundo dos livros um refúgio e passa as suas noites a arquitetar histórias que� talvez� não sejam tão estranhas como parecem, porque, algures naquela mansão abandonada onde ele vive, existe um quarto que ele mantém fechado, e que se intuiu, se relaciona, de alguma forma, com a morte misteriosa do seu antigo dono e todo o mistério começa a consumi-lo como um veneno.

É neste desespero lento que David recebe uma carta de um editor francês que lhe faz uma proposta irrecusável: ele deve escrever um livro único, poderoso, diferente de qualquer outro, que contenha em si o poder de transformar corações e mentes, em troca, ele receberá uma fortuna, e talvez mais ainda.

Ao responder ao desafio, como é de esperar, David apercebe-se de que existe uma ligação entre o seu livro assombrado e as sombras que rodeiam a mansão.

No terceiro livro “O Prisioneiro do Céu� reencontramos Daniel Sempere e Fermin (uma das minhas personagens favoritas, e que acredito também o seja de muitos outros leitores).

Tudo corria bem na vida das personagens que conhecemos no primeiro livro, A Sombra do Vento, até que deixa de correr bem quando entra na livraria Sempere e Filhos um misterioso homem que ameaça divulgar um terrível segredo que tem estado enterrado há duas décadas no passado misteriosa da cidade de Barcelona. O surgimento deste homem leva Daniel e Fermín para mais uma aventura, perigosa e sinistra, pois claro, num vislumbre dos anos 40 e dos primeiros anos da ditadura Franquista.

E por fim “O Labirinto dos Espíritos", este quarto livro que concluiu a saga e que Zafon definiu como “a peça final de um relógio gigante em que tudo se encaixa�. Ele vem completar o labirinto extraordinário que ao longo dos anos os leitores foram entrando, por diferentes livros, ou portas, como lhes chamou Zafon, dependendo de qual a ordem de leitura, explorando em cada um o amor pelos livros, de leitores, escritores, livreiros, editores� uma Barcelona gótica e literária dos finais do sec XX, diferentes formas e ângulos de uma mesma grande história, construindo uma experiência de leitura diversa deste universo recheado de mistérios e aventuras.

“O Labirinto dos Espíritos" este último livro que serve como chave-mestra para toda a saga, e que� ainda não li� porque, tal como todos de nós que nos vimos apaixonados por um escritor e fascinados por uma saga, estou a guardá-lo como uma formiga com medo do inverno.

Está aqui, e gosto de saber que continua à minha espera, não só porque será um último reencontro com as personagens que tanto estimo nesta série, mas também porque, como se sabe, inesperadamente acabou por ser o último livro que Carlos Ruiz Zafon publicou em vida.

Ele faleceu em 2020, vítima de cancro.

Carlos Ruiz Zafon disse:

“As histórias.. não se trata daquilo que pensamos que elas são, as histórias são a forma como as contamos�

Foram 16 anos dedicados a escrever esta série, e confessou em entrevista que o principal desafio foi conseguir manter a ilusão da simplicidade, manter oculta toda a complexidade e engenho destas histórias para permitir que o leitor desfrute delas numa “experiência de leitura fluída como água�, descreve ele, “permitir que o leitor absorva todo um universo sem parar para pensar na matemática e engenharia necessárias para o suportar�.

Todo o desafio da escrita é uma luta individual, disse Zafón, o escritor contra si próprio, a desafiar as suas capacidades. Não há mais ninguém neste desafio constante de escrever, ninguém nos consegue ajudar a criar mundos novos através das palavras� a criar uma luz num cenário, um suspiro, um sentimento nas personagens. Tudo isto tem de ser criado do zero, apenas com as nossas próprias palavras.

E ele conseguiu criar como nenhum outro! Com a autenticidade característica dos grandes escritores pegou no seu mundo interior pessoal e tornou-o numa história para todos.

Nascido e criado em Barcelona, numa Barcelona que, nas palavras do próprio, “as pessoas que a conheceram nos últimos anos têm a percepção de uma cidade muito divertida e solarenga no mediterrâneo, para onde vão 3 ou 4 dias de férias� mas essa não é a alma de Barcelona, ela é uma cidade antiga com muitos segredos e uma história dramática cheia de camadas, e foi esta a cidade em que cresci e sou produto dela.�

Uma cidade que ele transpôs para os seus livros, não apenas como cenário.

Barcelona é uma das suas muitas personagens, com a sua história, segredos, uma personalidade própria e humores.

Zafon partilha “a sua Barcelona�, só possível de existir na literatura. De tal forma que ele sempre recusou terminantemente a possibilidade de alguma vez vir a ser feita uma adaptação cinematográfica desta saga. Mesmo depois de ter recebido propostas com valores “obscenos�.

Explicou que a sua criação deste mundo do “Cemitério dos livros Esquecidos� é literária e que se o tivesse imaginado numa outra arte, num filme, série televisiva ou peça de teatro, o teria feito como tal originalmente. O mundo que criou, afirma ele, é impossível de ser adaptado, tentar fazê-lo é desvirtuar o seu trabalho.

Ele tinha como hobbie a música, e aprendeu sozinho a tocar piano.

A sua grande frustração, confessa, é não ter tido a oportunidade de desenvolver o seu gosto pela música, não ter uma educação musical que lhe tivesse permitido explorar o seu talento, caso o tivesse.

Via a escrita da mesma perspectiva que via a música, porque a música, disse ele, “� apenas mais uma linguagem� e quando escrevia via-se a si mesmo como “um maestro''.

Pensava nas palavras com cor, timbre, dinâmica� em criar secções e um efeito narrativo, criar tensões, criar ritmo, criar efeitos de luz e escuridão.

Ao escrever uma frase, um parágrafo, pensava em tudo como uma peça de música que tem de contar uma história, mas a sua essência era a forma como se constrói, como se conta essa história, se trabalha a linguagem.

E esta, acreditava Zafon, era uma verdade para qualquer género de escrita. Disse “Se escrevermos de uma forma que faz justiça às personagens, ao mundo, ao universo, à narrativa que queremos transmitir, o que o leitor vai receber é tudo isso, tudo o que a linguagem pode proporcionar."

Linguagem é o elemento mais importante em qualquer criação de escrita.

“Este lugar é um mistério.� Descreveu David Martin, o personagem d’O Jogo do Anjo� quando apresentou o Cemitério dos Livros Esquecidos. “� um santuário. Cada libro, cada volume que vês, tem uma alma. A alma de quem o escreveu, e a alma daqueles que o leram e viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas paginas, o seu espirito cresce e torna-se forte. Neste lugar dos livros que já ninguém recorda, os livros que se perderam no tempo vivem para sempre, à espera de chegar às mãos de um novo leitor, de um novo espirito…�

Somos nós que escolhemos os livros? Ou eles escolhem-nos a nós?

Somos cativados por capas, encantados por títulos, enfeitiçados por sinopses, seduzidos pelo simples toque do papel e a promessa de uma história inesquecível.

Carlos Ruiz Zafon colocou-nos, a todos, nestas histórias de livros esquecidos e leitores que não desistem de os salvar.

Com ele aprendi que é possível escrever com palavras que são também música, e que se o fizer bem, quando forem lidas estas podem tornar-se feitiços� estas histórias mágicas que todos queremos ler porque sempre acabamos por ver-nos espelhados nelas.

5 likes ·   •  0 comments  •  flag
Published on September 24, 2022 02:09

September 1, 2022

Experts Fnac

 •  0 comments  •  flag
Published on September 01, 2022 01:31

August 16, 2022

Feira do Livro de Lisboa

Temos uma nova edição da Feira do Livro de Lisboa à porta e, como manda a tradição, lá estaremos.

Este é o evento do ano para muita gente, eu aqui deste lado já com o braço no ar, e não há festa, concerto ou festival que se possa equiparar a uma avalanche de livros e leitores à sua descoberta.

Eu já tenho a data em que vou lá estar, e será logo no primeiro fim-de-semana!

Sábado, dia 27, às cinco da tarde, no stand da Cultura Editora.

No episódio do ano passado, aqui no podcast, falei-te sobre a Feira do Livro e a sua história até chegar finalmente a instalar-se no Parque Eduardo VII, agora vou partilhar alguma da “minha� história com a Feira.

Bem-vindo!

***

Aí está ela novamente!

Nem uma pandemia a conseguiu parar e já estou de olho na agenda em contagem decrescente.

Começa a Feira do Livro de Lisboa, no sítio do costume.

Lá estamos todos a fazer refresh na página online da Feira para ter novas informações em primeira mão sobre os livros do dia, a presença dos nossos escritores favoritos e tudo o mais que possa ajudar-nos a organizar um plano de ataque, quero dizer, plano de visitas e em que livros vamos limpar com o nosso saldo.

Eu tenho o privilégio de poder viver a Feira enquanto leitora e também escritora.

É uma ocasião em que há a oportunidade de nos cruzarmos com editores e outros escritores, muitos que ao longo dos anos se tornaram também grandes amigos e� claro, principalmente conhecer os leitores dos meus livros, todos vocês que gostaram de conhecer o nosso Formiga, a sua história dos Vaz e Mont-o-Ver, a nossa querida vila que, em breve, voltaremos a visitar� mas esse é tema que ficará para um outro episódio.

Nesta edição da Feira vamos poder ver-nos logo no primeiro fim-de-semana!

Sábado, dia 27, às cinco da tarde, no stand da Cultura Editora.

Espero que consigas ir e não esqueças de me dizer que ouves o podcast para podermos falar sobre os episódios que mais gostaste de ouvir.

Eu cresci a mais de 250km de Lisboa, nas Terras do Antuã lá para os lados do norte e por isso a simples existência da Feira do Livro, ou de que se tratava tal coisa, só entrou no meu horizonte, bem tarde.

E mesmo quando aconteceu, tal como a maioria dos portugueses, eu continuava a morar bem longe de Lisboa e visitá-la não era uma possibilidade que sequer me passasse pela cabeça, embora sei que há muita gente a viajar dos quatro cantos deste lindo país para fazer uma visita e acho que fazem muito bem!

Eu nunca o fiz, a viagem mais longa para comprar livros era ir a Aveiro e já era uma loucura!

A primeira vez que visitei a Feira foi quando já morava nos arredores de Lisboa, tinha uns vinte anos e� apesar de estar super curiosa por finalmente poder ir à Feira e cheia de vontade de correr aqueles corredores acima e abaixo vezes sem conta e comprar livros como garrafas de água no deserto� a coisa não me correu nada bem.

Confesso que foi uma desilusão. Fui num dia de calor, havia tanta gente que era preciso lutar para não ser arrastada, caminhava entre encontrões, não conseguia ver os livros, não fazia ideia onde encontrar aqueles que queria� as barraquinhas não eram livrarias, eram editoras� editoras� o que raio são editoras? Onde está o livro da Philipa Gregory que eu quero??? Uma tarde para esquecer.

Lembro que naquela altura os telefones ainda não eram smart e toda a gente ainda usava um Nokia com orgulho.

A informação fluía de outra forma naqueles inícios dos anos 2000.

A experiência não foi boa e não voltei por um bom tempo.

É claro que a culpa não foi da Feira, eu é que não percebia nada da coisa e cometi todos os erros e mais alguns.

Curiosamente o que me fez regressar, não foi a leitura, foi a escrita.

Em 2006 quando comecei a experimentar escrever umas coisas e lá consegui terminar a minha primeira história com princípio meio e fim, como se costuma dizer, da qual não me envergonhava mas que obviamente nenhuma editora quis pôr mão, decidi-me a fazer uma edição de autor e mandei imprimir algumas dezenas de exemplares numa gráfica espanhola� bem, o resultado não ficou mau de todo e lá comecei a vender o meu peixe.

Acontece que uma das minhas primeiras leitoras quis que nos encontrássemos na Feira do Livro e então lá fui eu. Foi maravilhoso! Porquê? Porque aquela alma pura e abençoada me explicou tudo o que havia para saber, um verdadeiro curso de sobrevivência que incluía:

As melhores horas e dias para visitar a Feira (durante a semana, hora H, ou ao fim de semana depois da 17h e nunca com temperaturas acima dos vinte e cinco graus) Fazer exceções apenas se quiser ir conhecer algum autor Kit com lista de livros, mochila e garrafa de água Agrupar livros por editoras Localização das editoras Pelo menos 2 paragens para descanso em cada subida ao parque e 1 na descida

Assim aprendi a ser feliz na Feira!

Avançando meia dúzia de anos e depois de a Marcador ter publicado o meu primeiro livro� dá para imaginar o meu xitex a roçar a histeria quando estreei como autora na agenda da ilustríssima feira do Livro de Lisboa!

Estava muito feliz confesso, mas� coisas inesperadas “não tão boas assim� também acontecem� e infeliz coincidência, eu andava com uns problemas de saúde nessa época e justamente na véspera de ir à Feira fui a uma consulta médica em que teria os resultados dos exames que tinha andado a fazer e o médico disse: tem de ser operada o mais urgente possível e só depois de a abrirmos é que conseguiremos ter uma ideia precisa de com o que estamos a lidar.

Ora, eu fui à Feira, e dei o meu melhor, mas estava bem a leste do paraíso. Nada confiante e cheia de medo do futuro.

Acho que esse dia ainda foi pior do que aquele primeiro dia, porque estragou o que era a concretização do meu pequeno sonho.

Felizmente tudo correu pelo melhor, existiram novos livros publicados e novas visitas à Feira.

Em 2017, como sabem, lá compliquei tudo com o projeto do anonimato e a tentativa de lançar os meus Grilos ao mundo sozinhos.

Voltei a ser apenas leitora na Feira em mais alguns anos e aconteceu uma coisa engraçada� acho que foi 2020, por causa da pandemia, que eu sou daquelas precavidas que não me aproximava de ajuntamentos, só fiz 1 visita à Feira nesse ano, num dia de semana à noite e tipo 20 minutos antes de fechar� e o que é que acontece? Justamente quando passo junto ao stand da cultura editora, estava uma senhora a comprar o Onde Cantam os Grilos. Fiquei quase tão feliz como aquela vez no metro, se te lembras, em que me sentei em frente a uma leitora estava a ler um livro meu.

Já sabes que sou perita em olhar e andar, e tal como da outra vez no metro, mantive o sorriso idiota e pus-me em fuga.

Mas�. no ano passado, 2021 como testemunhado pelos leitores maravilhosos que me visitaram, voltei à agenda, passeei em ótima companhia com as escritoras do Book Gang Helena Magalhães, a Íris Bravo, a Susana Amaro Velho, a MG Ferrey, conversamos com outros escritores maravilhosos, o Agualusa, o José Luís Peixoto� e estou muito contente por poder fazer parte desta festa literária inigualável.

Vamos lá voltar mais uma vez ao Parque com as nossas listas de livros!

Se ainda não tens na agenda, escreve:

Dia 27, sábado à tarde, vem ter comigo ao stand da Cultura que vou gostar muito de te ver. O Nuno Nepomuceno também lá está nesse dia� portanto é como no supermercado, 2 pelo preço de um.

Aproveita tudo! Lê muito!

4 likes ·   •  0 comments  •  flag
Published on August 16, 2022 01:51