Ana Kandsmar's Blog
January 11, 2022
Paulinho
Brancas/1993
Às vezes temos medo. Do desconhecido. Às vezes julgamos conhecer o desconhecido e temos medo. O desconhecido pode ser uma imagem parada na nossa mente. Nublada. Ensombrada. Na penumbra. Pode ser a noite que é a penumbra mais densa que conhecemos. Ou pode ser o escuro. O vazio. O medo pode ter muitas formas. Pode ser um rapaz. Um rapaz num hospício. Pode ser o Paulinho.
Encontrei-o pela primeira vez em 1993. Num dia de estágio de Saúde Mental e Psiquiatria nas Brancas. Primeiro vi as marcas do que fizera. O capot de um carro danificado no exterior do edifício. A coordenadora de estágio sorrira ao meu grupo e desculpara-se “foi o Paulinho, está tudo bem, não se assustem, foi só o Paulinho�.
Soaram dentro de mim as campainhas de alarme. Quem seria o Paulinho? Quem seria aquele ser que danificara a viatura? Porque o teria feito? Em que condições o teria feito?
As perguntas martelavam a minha mente, mas logo deram lugar à necessidade de dispensar atenção para o grupo, o local, os corredores por onde acabava de entrar, as salas que escancaravam portas e deixavam antever doentes que olhavam vagamente, através das janelas, as copas das arvores do pátio. Gente que estava ausente, gente que apenas ali tinha o corpo, qual âncora mantendo-os presos a este mundo. As mentes, essas, vagueavam, que eu bem podia ver-lhes os olhares vazios. Vazios e distantes a fazerem-me lembrar papagaios de papel soltos no ar, voando cada vez mais alto, como aqueles que em criança havia segurado tantas vezes para que não se perdessem entre as nuvens. Esqueci-me do Paulinho. Não para sempre. Esqueci-o apenas por momentos, aqueles momentos que me permitiram observar as paredes brancas do hospital, o ar desolado das salas, os frios corredores, o soalho rangendo à nossa passagem.
A meio do percurso, o Paulinho voltou sob a forma de vidros estilhaçados. Soube-o pela coordenadora que, mais uma vez, acusou: “Foi o Paulinho. Mas não se assustem, está tudo bem�.
Na minha cabeça o Paulinho ia tomando forma. Imaginava-o um gigante, os ombros largos, andar desengonçado, o passo largo, o olhar ameaçador. Sim, devia ser assim o Paulinho. Alguém perguntara como fazia o Paulinho todo aquele estrago, e ao longe, transpondo a minha imaginação que acabara de pintar o retrato fresco do Paulinho, ouvi mais uma vez a voz da coordenadora que lamentava a sua sorte “tem surtos. Dá cabeçadas onde calha, sobretudo nas paredes, nos móveis, onde calha, talvez como forma de se punir ou de se sentir presente…�
Ficámos todos em silêncio e acredito que durante os breves segundos que durou aquele silêncio, cada um de nós pintou o retrato do Paulinho. Como seria o Paulinho deles? O meu era aquele homem gigante, de ombros largos, andar desengonçado, passo largo e olhar ameaçador. Dou mais umas pinceladas na minha pintura e acrescento-lhe um fio de baba que lhe resvala do canto esquerdo dos lábios, entreabertos numa espécie de esgar�, a ameaça de um sorriso, um sorriso sinistro.
Os passos que se aproximaram de mim, pelas minhas costas, não me tiraram logo do torpor. Ainda fiquei assim, quieta, a observar sem ver os colegas que circulavam pela sala, porque quem eu via era o Paulinho, apesar de que também não o via com os meus olhos físicos. Mas eis que, passos cada vez mais próximos me despertaram, e um calafrio que me percorreu a coluna, denunciou a chegada do Paulinho, o Paulinho verdadeiro e não o que eu pintava na minha cabeça.
Olhei de esguelha. Tão de esguelha que mal o vi, embora, eu quase pudesse jurar que ali estava o homem da minha imaginação. Claro que aquela mecha de cabelo caída sobre a testa, a cabeça inclinada, o andar apressado, só podiam indicar que ele vinha com tudo para cima de mim. Preparava-se para fazer às minhas costas o que havia feito ao capot do carro, preparava-se para fazer-me a mim o que havia feito aos vidros das janelas, aqueles vidros que jaziam ainda, estilhaçados, no chão frio do corredor. Estremeci e gelei, enquanto tudo à minha volta parecia ter congelado também, como num loop, uma paragem do tempo. Só o Paulinho continuava a mover-se na minha direção. E sim, tive medo, tive um medo que nunca havia sentido antes, medo de não saber lidar com a situação, medo de não saber lidar com o Paulinho, medo de que ele me magoasse à séria, medo de que ninguém o conseguisse parar…como podia eu parar o Paulinho se ele era um gigante, de ombros largos, andar desengonçado, passo largo e olhar ameaçador?
Instintivamente, encolhi-me na esperança de assim lhe dar passagem sem que ele me tocasse. E o Paulinho passou pela soleira da porta sem me tocar. E a sua passagem, foi como um passe de mágica que fez o tempo voltar a correr. As pessoas à minha volta tornaram a circular pela sala e a falar, e a olhar, a comentar, indiferentes à presença do Paulinho, indiferentes ao medo que eu havia acabado de sentir, indiferentes aos batimentos ruidosos do meu coração, indiferentes ao tempo que para mim, havia parado. O Paulinho seguiu, atravessou o grupo que se espraiava pelo espaço e desapareceu num corredor escuro que se esticava no interior do edifício. Não voltei a ver o Paulinho, mas o Paulinho nunca mais me abandonou. Em todos estes anos de formações relatei este episodio aos meus formandos, sem omitir detalhes. Descrevi o Paulinho vezes sem conta, o gigante de ombros largos, andar desengonçado, passo largo e olhar ameaçador, que nunca deixara de me assustar e, de cada vez que eu contava esta história, o Paulinho que já era gigante, ficava ainda mais gigante, e o Paulinho que já era ameaçador ficava ainda mais ameaçador.
O Reencontro
2020 /Minde
Faço o meu curso de especialidade e há que falar da experiência, da bagagem que trago comigo em tantos anos de trabalho. Não posso falar do meu percurso em enfermagem sem falar do Paulinho. Sem contar mais uma vez, a novos ouvidos que me dedicam uma velha atenção e escutam, avidamente, a história do doente mental que marcou para sempre a minha vida.
E é então que alguém interrompe o meu relato, com um entusiamo que eu desconheço e me dá a boa nova: “Esse Paulinho de que falas, sei quem é. Está aqui.�
“O Paulinho? O Paulinho está aqui?� Finalmente eu sei o que é o espanto emaranhado em estranheza�, quais são as probabilidades? Quantas vezes terá o universo lançado os dados até sair este número perfeito, o PI, a Proporção Áurea, a Capicua, o Jackpot? Haviam-se passado mais de três décadas e o Paulinho, para além de ainda permanecer no mundo dos vivos, havia transitado para outro hospital, precisamente o hospital que eu visitava agora.
Como numa pelicula de um filme dos anos 20, mudo e de imagens riscadas, revivi por breves segundos aquele momento em que os passos do Paulinho, nas minhas costas, me roubavam ao torpor da imaginação, uma imaginação que era como uma aranha tecendo a sua figura com fortes fios de aço. Indestrutíveis. Eu tinha que vê-lo. Tinha que olhar uma vez mais para aquele gigante de ombros largos, andar desengonçado, passo largo e olhar ameaçador. Tinha que vê-lo. E vi. Entrei num quarto quase despido e encontrei um homem de olhar vazio, um homem que estava ausente. Um homem papagaio de papel, perdido entre as nuvens.
Mas aquele não era o Paulinho que a minha mente havia criado. Não era o gigante de ombros largos, andar desengonçado, passo largo e olhar ameaçador. Era apenas um homem. Um homem pequeno, até. Franzino. A cabeça, agora com as marcas de todas as cabeçadas que dera onde calhava, sobretudo nas paredes, havia ganho uma estranha forma achatada como uma planície, esquadrinhada de cicatrizes como campos de cultivo.
Não havia um fio de baba a resvalar-lhe do canto esquerdo dos lábios e não havia esgar, nem qualquer ameaça de sorriso sinistro. Nada no Paulinho era sinistro.
Não falei. Nem esperei que ele o fizesse. O Paulinho era um homem ausente. Da sua boca ninguém ouvia uma palavra há anos, e nada nos seus gestos havia sido, em décadas, qualquer prenuncio de interação. Nem uma sugestão. Nada. O Paulinho era um homem ausente. Sentei-me, silenciosamente, ao seu lado e deixei-me ficar ali, mais uma vez rendida ao torpor dos pensamentos e, naquele momento, mais do que ao torpor dos pensamentos: ao torpor das recordações. Aquele era o momento em que o Paulinho passava por mim na soleira da porta e eu gelava. Era aquele momento, aquele preciso momento que havia ficado gravado, indelével, na minha mente.
Era aquele instante, aquele preciso instante, tão injusto como a condenação de um inocente, a ocasião em que eu permitira à minha mente fazer do Paulinho um monstro, um monstro que habitara comigo por tantos anos, e que eu queria destruir agora. Pedi-lhe perdão. Senti o perdão a fluir nas minhas veias e senti a gratidão de poder estar ali, ao seu lado, devolvendo-o ao homem que ele era realmente. Ao ser humano que ele era, realmente.
E o inimaginável aconteceu. A minha mão, que eu tinha abandonado sobre o meu colo, sentia agora outra mão sobre ela, a apertá-la gentilmente. A mão do Paulinho.
O tempo voltou a congelar, não havia qualquer movimento ao redor, apenas os olhos daquele homem ausente que retornavam à vida, como se os meus olhos fossem as mãos da criança que segura o fio do papagaio de papel e puxa para baixo. Os olhos do Paulinho pousavam finalmente nos meus, tal como antes a sua mão havia pousado sobre a minha. Aquele homem ausente tinha regressado. Aquele homem já não era um homem ausente. Estava ali, pleno, num regresso inesperado, mas consciente, dizendo-me com um olhar que era afinal doce, tão doce, que sim, me perdoava. Entendi-o finalmente. Às vezes temos medo. Do desconhecido. Às vezes julgamos conhecer o desconhecido e temos medo. O desconhecido pode ser uma imagem parada na nossa mente. Nublada. Ensombrada. Na penumbra. Pode ser a noite que é a penumbra mais densa que conhecemos. Ou pode ser o escuro. O vazio. O medo pode ter muitas formas. Pode ser um rapaz. Um rapaz num hospício. Pode ser o Paulinho.
Ana Kandsmar
(uma história vivida na 1ª pessoa pela enfermeira especialista em Saúde Mental, Graça Rito)
August 11, 2021
A Casa
"À casa que foi nossa, não mais voltei. Minto.A estrada que lhe é larga na frente, serpenteia por entre arbustos que me escondem e eu espreitei-a, amiúde, nos dias seguintes à minha ausência, ao fecho definitivo da porta, à entrega das chaves. Depois disso, não mais retornei. Minto.Passei-lhe em frente ainda ontem, o carro deslizando devagarinho a rua deserta, ao compasso de um cortejo fúnebre, lento, lento. Vislumbrei num rompante, de desdém calcinado, a fachada curvilínea, o mármore da pedra emoldurando as janelas translúcidas. Minto.Em sobressalto, mirei o abandono da casa fechada. Doeu-me a secura curvada das roseiras que plantei em tempos e chorei a seda descuidada das suas pétalas. Quando também o futuro me parecia a direito e alinhado a prumo, levei à terra as hortenses azuis alongando o muro, a palmeira que cresceu viçosa ao centro da relva, a hera atrevida trepando os arcos. “Vende-se�. Segui, indiferente, que na vida não se pode olhar para trás. Minto.Parei e entrei. A mulher no cartaz da imobiliária sorri-me, confiante, enquanto cruza os braços, e o sorriso dela trespassa-me o orgulho ferido de morte. Avancei como uma lesma, rastejando a calçada solta que abre caminho até ao pórtico. Minto.Quase corri. Remendei, com o olhar, as cortinas rasgadas das janelas e hesitei-me no caminho sinuoso que conduz à entrada. Minto.Empurrei a porta, estranhamente entreaberta, e ali estavam os miúdos, tão pequenos ainda, quase bebés, inundados de mimos e cuidados. Tu, com o teu ar sobranceiro, sempre ocupado, no escritório que era a tua ilha, a tua torre solitária na casa, o cofre dos teus segredos, as aventuras que julgavas a salvo. Depois embalavas-me o cansaço num western manhoso e repetias em surdina as falas amargas do herói desamparado. Voltei as costas aos teus eus que me iam surgindo num bailado de memórias assombradas e saí. Saí sem pena nem saudade dos domingos em que cantavas e cortavas a relva num slalom tresloucado por entre os aspersores, como se dançasses à chuva e bradasses aos céus o estarmos felizes. Não minto.Como poderia se, em tantos anos, mentiste tu, tantas vezes?"
Ana Kandsmar in Somos Imortais, mas temos que morrer primeiro
December 25, 2020
Conto de Natal - Uma Fam��lia Muito Estranha
Ana Kandsmar
Conto de Natal - Uma Família Muito Estranha
Ana Kandsmar
October 20, 2020
A Perdi����o de D. Sancho II, Paulo Pimentel
"As nossas leituras
Hoje vamos �� Idade M��dia, um per��odo da Hist��ria que me fascina. Fazemos uma visita �� corte do rei de Portugal D. Sancho II, e, mais do que �� corte deste monarca, vamos ao interior da sua mente (neste excerto, �� mente de Dona M��cia, sua esposa), atrav��s da vis��o de Paulo Pimentel e da voz de excelente dic����o de Ana Kandsmar, num livro sa��do h�� pouco tempo: ��A Perdi����o de D. Sancho II��.
Poucos conhecem a hist��ria deste rei desgra��ado, que governou de 1223 at�� 1248, altura em que foi deposto do trono pelo pr��prio irm��o, futuro Afonso III, e que viu ser lan��ado sobre o seu reino um Interdito da Santa S�� (pena grav��ssima na ��poca), que foi excomungado pelo papa Greg��rio IX e que chegou a ser classificado pelo pont��fice de Roma com o desonroso t��tulo de "Rex inutilis" (o rei in��til). Tudo porque, numa atitude de coragem, quis o melhor para o seu pa��s, combatendo o enorme poder da nobreza e da Igreja.Penso que este livro �� uma excelente oportunidade de ficarmos a conhecer melhor a vida conturbada de D. Sancho II, obrigado a exilar-se, vindo a morrer triste, longe da sua p��tria, com apenas 38 anos.Neste excerto embrenhamo-nos nas medita����es ambiciosas de Dona M��cia Lopes de Haro, a esposa de Sancho, que viu o casamento anulado pelo papa e foi raptada pelos inimigos do marido. Nunca mais se tornaram a ver."
Jo��o Nuno Azambuja
(Biografia: Ana Kandsmar �� m��e, autora, jornalista, copywriter, ghost-writer e blogger. Escreve por prazer. Por paix��o. Por necessidade. L�� muito. Para se evadir. Para se construir. Para aprender. Nasceu na d��cada de 70 e cresceu com livros. Os seus e os dos outros. "A Guardi�� - O livro de Jade do C��u", �� o romance hist��rico/fant��stico que publicou pela primeira vez em 2015. No mesmo ano, participou, com o conto "Kilimanjaro", na antologia de contos de autores da editora Capital Books, assinando ambas as edi����es com o nome Ana Cristina Pinto. Em 2017, republicou o romance "A Guardi�� - O Livro de jade do C��u" com as Edi����es Mahatma. Em 2018, com a mesma editora, publicou o romance "A Lenda do Havn", e em 2019 participou na antologia po��tica Conex��es Atl��nticas, projeto partilhado por v��rios autores do mundo lus��fono.)
Iniciativa com o apoio institucional da UCCLA.
A Perdição de D. Sancho II, Paulo Pimentel
"As nossas leituras
Hoje vamos à Idade Média, um período da História que me fascina. Fazemos uma visita à corte do rei de Portugal D. Sancho II, e, mais do que à corte deste monarca, vamos ao interior da sua mente (neste excerto, à mente de Dona Mécia, sua esposa), através da visão de Paulo Pimentel e da voz de excelente dicção de Ana Kandsmar, num livro saído há pouco tempo: «A Perdição de D. Sancho II».
Poucos conhecem a história deste rei desgraçado, que governou de 1223 até 1248, altura em que foi deposto do trono pelo próprio irmão, futuro Afonso III, e que viu ser lançado sobre o seu reino um Interdito da Santa Sé (pena gravíssima na época), que foi excomungado pelo papa Gregório IX e que chegou a ser classificado pelo pontífice de Roma com o desonroso título de "Rex inutilis" (o rei inútil). Tudo porque, numa atitude de coragem, quis o melhor para o seu país, combatendo o enorme poder da nobreza e da Igreja.Penso que este livro é uma excelente oportunidade de ficarmos a conhecer melhor a vida conturbada de D. Sancho II, obrigado a exilar-se, vindo a morrer triste, longe da sua pátria, com apenas 38 anos.Neste excerto embrenhamo-nos nas meditações ambiciosas de Dona Mécia Lopes de Haro, a esposa de Sancho, que viu o casamento anulado pelo papa e foi raptada pelos inimigos do marido. Nunca mais se tornaram a ver."
João Nuno Azambuja
(Biografia: Ana Kandsmar é mãe, autora, jornalista, copywriter, ghost-writer e blogger. Escreve por prazer. Por paixão. Por necessidade. Lê muito. Para se evadir. Para se construir. Para aprender. Nasceu na década de 70 e cresceu com livros. Os seus e os dos outros. "A Guardiã - O livro de Jade do Céu", é o romance histórico/fantástico que publicou pela primeira vez em 2015. No mesmo ano, participou, com o conto "Kilimanjaro", na antologia de contos de autores da editora Capital Books, assinando ambas as edições com o nome Ana Cristina Pinto. Em 2017, republicou o romance "A Guardiã - O Livro de jade do Céu" com as Edições Mahatma. Em 2018, com a mesma editora, publicou o romance "A Lenda do Havn", e em 2019 participou na antologia poética Conexões Atlânticas, projeto partilhado por vários autores do mundo lusófono.)
Iniciativa com o apoio institucional da UCCLA.
July 24, 2020
Os imprest��veis
Importa dizer que este tr��gico acontecimento revelou a exist��ncia de dois tipos de pessoas: as prest��veis e as imprest��veis.
Os prest��veis s��o-no, quase sempre, sem contrapartidas. As pessoas que s��o prest��veis acorrem ��s situa����es que encontram pelo caminho e ajudam, s��o ��teis. As pessoas que s��o prest��veis, geralmente, p��em amor no que fazem. Gente prest��vel n��o olha a quem ajuda. Ajuda e pronto. Isso inclui a ajuda aos sem-abrigo, aos idosos e at��, pasmem-se, ��queles que os criticam: os imprest��veis.
Sim, porque depois existe aquele tipo de gente que faz parte desse grupo dos imprest��veis. Esses s��o os que nunca ajudam, os que nunca saem da sua zona de conforto para estender a m��o seja a quem for, s��o os que prometem muito e nunca fazem nada. Sabes, aquela pessoa que diz que vai fazer isto e mais aquilo por ti, mas nunca faz nada? Pois ��, essa pessoa faz parte do grupo dos imprest��veis. Os imprest��veis s�� est��o verdadeiramente dispon��veis para fazer uma coisa: criticar quem faz, quem ajuda.
Fala-se na forma desumana como se trataram aqueles animais e aparecem logo os imprest��veis a falar de animalismo, comparando ( no sentido de menorizar os animais) animais com humanos, bradando que aos sem-abrigo ningu��m salva, ningu��m adopta, etc, etc...
Pergunta para essa gente: Quantos sem-abrigo j�� adoptou um imprest��vel? Deixem-me adivinhar: ZERO! Nem moedinha d��o, n��o �� verdade? Os imprest��veis passam para o outro lado da rua sempre que encontram �� frente algu��m que pede ajuda. Um imprest��vel n��o serve nem para indicar o caminho mais f��cil para se chegar a algum lado. Os imprest��veis s��o aquele tipo de gente que vira a cara aos sem-abrigo. Os imprest��veis fogem a sete p��s das campanhas de recolha de alimentos, quer as que decorrem em prol dos animais ou em prol das pessoas.
O imprest��vel �� aquele tipo que finge estar sempre ocupado s�� para n��o dar aten����o ao que se passa �� sua volta. O imprest��vel s�� olha para duas coisas: Para o seu umbigo e para a sua carteira. True story.
O imprest��vel consegue fazer compara����es incr��veis, s�� para justificar a sua in��rcia. Agarra, por exemplo, nos animais que s��o v��timas da viol��ncia e estupidez humana, sobretudo, vitimas da estupidez e viol��ncia de outros imprest��veis iguais a ele, e compara-os com os idosos espalhados por lares ilegais, esses dep��sitos de velhos onde, frequentemente, s��o maltratados, e com os quais um imprest��vel nunca se preocupa, dos quais um imprest��vel nunca fala, a n��o ser que ocorra uma desgra��a com animais, desgra��a essa que sensibilize a opini��o p��blica.Se nenhuma trag��dia que vitimize animais acontecer, os idosos bem podem apodrecer nos seus lares ilegais que, como �� sabido, com os imprest��veis n��o podem eles contar.
N��o acreditam? Vejam que foi preciso que morressem dezenas de animais carbonizados para que os imprest��veis se lembrassem dos idosos que vegetam nos lares. Acredito que n��o exagero se disser que, muito provavelmente, boa parte desses idosos enfiados em lares ilegais e outros que, apesar de legais deixam muito a desejar, s��o os pais, m��es e av��s dos imprest��veis. Os imprest��veis, s��o aquela esp��cie de gente que leva os seus pais para um lar qualquer, de prefer��ncia o mais baratinho e nunca mais l�� p��e os p��s para os visitar.
Os imprest��veis, por norma, fazem parte de uma ra��a que nunca faz acontecer nada e vai apenas a reboque do trabalho dos outros (muitas vezes recebendo os louros, pois eles s��o ex��mios em alardear o imenso trabalho que ���realizam���. Todavia, quando fazem alguma coisa, n��o se iludam, pois, os ��nicos benefici��rios s��o eles mesmos.
Os imprest��veis costumam sentir uma total aus��ncia de empatia para com os dramas alheios.
Com frequ��ncia, assobiam para o lado e esperam que outros ajudem para ent��o se prontificarem a fazer uma de duas coisas: Ou acalmar a sua pequena consci��ncia com a ideia de que quem precisa j�� est�� a ser ajudado, ou criticar quem ajuda.
Tens algum amigo que ultimamente publicou coisas como: ���As pessoas t��m as prioridades invertidas, s�� se preocupam com os animais, mas n��o se lembram dos idosos nem dos sem-abrigo!��� Tens? Ent��o n��o contes com ele para nada porque, claramente, esse teu amigo �� um imprest��vel.
Pela tua sa��de, aprende a identificar os imprest��veis. Assim, quando precisares de ajuda, j�� sabes a que portas n��o vale a pena bater. Aqui fica o resumo: O imprest��vel vem de uma esp��cie de gente desprez��vel, mais vulgarmente classificada como lixo humano (eles �� que n��o t��m no����o), gente que, egoisticamente, c�� anda no planeta a gastar os seus recursos e a consumir o oxig��nio de que os prest��veis precisam para continuar a respirar e a ajudar.
Como �� ��bvio, evidente e perfeitamente justific��vel, sim, eu gosto infinitamente mais dos animais, do que dos imprest��veis.
Ana Kandsmar
Os imprestáveis
Importa dizer que este trágico acontecimento revelou a existência de dois tipos de pessoas: as prestáveis e as imprestáveis.
Os prestáveis são-no, quase sempre, sem contrapartidas. As pessoas que são prestáveis acorrem às situações que encontram pelo caminho e ajudam, são úteis. As pessoas que são prestáveis, geralmente, põem amor no que fazem. Gente prestável não olha a quem ajuda. Ajuda e pronto. Isso inclui a ajuda aos sem-abrigo, aos idosos e até, pasmem-se, àqueles que os criticam: os imprestáveis.
Sim, porque depois existe aquele tipo de gente que faz parte desse grupo dos imprestáveis. Esses são os que nunca ajudam, os que nunca saem da sua zona de conforto para estender a mão seja a quem for, são os que prometem muito e nunca fazem nada. Sabes, aquela pessoa que diz que vai fazer isto e mais aquilo por ti, mas nunca faz nada? Pois é, essa pessoa faz parte do grupo dos imprestáveis. Os imprestáveis só estão verdadeiramente disponíveis para fazer uma coisa: criticar quem faz, quem ajuda.
Fala-se na forma desumana como se trataram aqueles animais e aparecem logo os imprestáveis a falar de animalismo, comparando ( no sentido de menorizar os animais) animais com humanos, bradando que aos sem-abrigo ninguém salva, ninguém adopta, etc, etc...
Pergunta para essa gente: Quantos sem-abrigo já adoptou um imprestável? Deixem-me adivinhar: ZERO! Nem moedinha dão, não é verdade? Os imprestáveis passam para o outro lado da rua sempre que encontram à frente alguém que pede ajuda. Um imprestável não serve nem para indicar o caminho mais fácil para se chegar a algum lado. Os imprestáveis são aquele tipo de gente que vira a cara aos sem-abrigo. Os imprestáveis fogem a sete pés das campanhas de recolha de alimentos, quer as que decorrem em prol dos animais ou em prol das pessoas.
O imprestável é aquele tipo que finge estar sempre ocupado só para não dar atenção ao que se passa à sua volta. O imprestável só olha para duas coisas: Para o seu umbigo e para a sua carteira. True story.
O imprestável consegue fazer comparações incríveis, só para justificar a sua inércia. Agarra, por exemplo, nos animais que são vítimas da violência e estupidez humana, sobretudo, vitimas da estupidez e violência de outros imprestáveis iguais a ele, e compara-os com os idosos espalhados por lares ilegais, esses depósitos de velhos onde, frequentemente, são maltratados, e com os quais um imprestável nunca se preocupa, dos quais um imprestável nunca fala, a não ser que ocorra uma desgraça com animais, desgraça essa que sensibilize a opinião pública.Se nenhuma tragédia que vitimize animais acontecer, os idosos bem podem apodrecer nos seus lares ilegais que, como é sabido, com os imprestáveis não podem eles contar.
Não acreditam? Vejam que foi preciso que morressem dezenas de animais carbonizados para que os imprestáveis se lembrassem dos idosos que vegetam nos lares. Acredito que não exagero se disser que, muito provavelmente, boa parte desses idosos enfiados em lares ilegais e outros que, apesar de legais deixam muito a desejar, são os pais, mães e avós dos imprestáveis. Os imprestáveis, são aquela espécie de gente que leva os seus pais para um lar qualquer, de preferência o mais baratinho e nunca mais lá põe os pés para os visitar.
Os imprestáveis, por norma, fazem parte de uma raça que nunca faz acontecer nada e vai apenas a reboque do trabalho dos outros (muitas vezes recebendo os louros, pois eles são exímios em alardear o imenso trabalho que “realizam�. Todavia, quando fazem alguma coisa, não se iludam, pois, os únicos beneficiários são eles mesmos.
Os imprestáveis costumam sentir uma total ausência de empatia para com os dramas alheios.
Com frequência, assobiam para o lado e esperam que outros ajudem para então se prontificarem a fazer uma de duas coisas: Ou acalmar a sua pequena consciência com a ideia de que quem precisa já está a ser ajudado, ou criticar quem ajuda.
Tens algum amigo que ultimamente publicou coisas como: “As pessoas têm as prioridades invertidas, só se preocupam com os animais, mas não se lembram dos idosos nem dos sem-abrigo!� Tens? Então não contes com ele para nada porque, claramente, esse teu amigo é um imprestável.
Pela tua saúde, aprende a identificar os imprestáveis. Assim, quando precisares de ajuda, já sabes a que portas não vale a pena bater. Aqui fica o resumo: O imprestável vem de uma espécie de gente desprezível, mais vulgarmente classificada como lixo humano (eles é que não têm noção), gente que, egoisticamente, cá anda no planeta a gastar os seus recursos e a consumir o oxigénio de que os prestáveis precisam para continuar a respirar e a ajudar.
Como é óbvio, evidente e perfeitamente justificável, sim, eu gosto infinitamente mais dos animais, do que dos imprestáveis.
Ana Kandsmar
July 14, 2020
Obrigada, obrigada, adeus at�� �� pr��xima!
Eu sabia que n��o seria para sempre.
Sabia que esse teu esgar de c��o raivoso se dissiparia ante uma recorda����o ou outra que te viesse �� mem��ria, mal a rotina e o ramerr��o dos dias te aborrecessem de morte. O teu ��dio, a tua raiva, essa coisa que te arde no peito e te faz cuspir-me ofensas e improp��rios �� s�� uma m��scara para o amor que me tens e a manta com que tentas tapar a frustra����o de me teres a milhas
Eu sabia que acabarias por mendigar. O teu prazo, esse limite de tempo em que consegues respirar sem que me fa��as o teu suporte de vida, �� sempre curto, muito curto, mais longo do que eu desejaria, �� certo, mas infinitamente mais curto do que me prometes quando te afastas.
Houve um tempo em que aguentavas um m��s, dois v����� fingindo que eu n��o existo. Desta vez resististe mais. Bateste o teu record, qual nadador que supera o seu tempo a respirar debaixo de ��gua e orgulhosamente �� digno do Guiness. Lembraste-te ent��o de que tudo em mim �� genu��no e o teu sentimento ampulheta que te permite ignorar-me a prazo, desintoxicou-te dos teus extremos, do teu drama, da tua maneira enviesada e teatral de olhar as coisas��� Talvez, mas n��o te iludas. Continuas a irritar-me a um ponto que a ��nica solu����o �� esqueceres-me, tal como eu te esqueci. Tal como eu te esqueci tantas vezes.
Foi sempre esse o nosso mal, n��o foi? Tu e eu, pass��mos os ��ltimos���15 anos a esquecermo-nos um do outro. ��s vezes at�� o fazemos sem esfor��o. Ao princ��pio sentimo-nos livres, leves, quase felizes. O nosso ��nico engano �� achar que �� para sempre, que desta vez �� nunca mais.
Dev��amos saber melhor, porque h�� anos que nos esquecemos e depois nos precisamos, num loop temporal digno de um Stargate. N��o que andemos a contar os dias. O nosso precisar �� uma emboscada de que mal nos damos conta. Uns minutos nos primeiros dias, depois uma hora ou duas a lembrarmo-nos mutuamente, n��o que o fa��amos em simult��neo, ou pelo menos nem sempre concomitantemente���nem sempre, e ent��o, depois, o purgar. Tentamos, em v��o, purificarmo-nos das coisas que nos dissemos, do quanto somos capazes de nos tirar do s��rio, do ��dio fervoroso e visceral que nos sentimos, da urg��ncia de nos vermos pelas costas antes que a loucura nos ven��a, nos domine e nos leve por caminhos que n��o nos trar��o volta. E ainda assim, o que nos intriga para l�� da conta �� esta coisa de nos sabermos certos, de estarmos ligados como dois telefones sem fios que emitem sinais, frequ��ncias sonoras que s�� n��s dois percebemos, como ondas que enviamos de um para o outro e s��o recebidas sem espanto nem temor����� afinal t��o natural esta sequ��ncia de vibratos, a trepida����o das nossas vozes, a minha nos teus ouvidos e a tua nos meus��� como acordes mel��dicos que conhecemos de cor e que sabemos, sem sabermos como o sabemos, que somos afinal n��s, n��s mesmos a gritar, em cantos opostos do mundo, pelo nome um do outro.
Tarda nada, e tudo volta a ser bom em n��s. Muito bom. Tarda nada e tudo volta a ser uma saudade que corr��i e nos empurra aos trope����es para os bra��os um do outro. Tarda nada e basta-nos uma futilidade, que descambamos na trag��dia.
Dizem-me que �� do sexo, do sexo que s�� somos capazes de ter um com o outro, com mais ningu��m, que �� desse sexo que sentimos falta, que isto n��o �� amor. H�� de ser qualquer coisa porque ao sexo rejeito-o sem tacto e desprezo num tom jocoso a tua fervorosa tes��o.Repugna-me a febre com que me comes, como se amanh�� eu deixasse de existir, ou o meu corpo estivesse para, a breve prazo, diluir-se com as primeiras chuvas.
Quando se te finda esse teu prazo de validade, a validade do teu ��dio e desprezo por mim, falas-me baixinho, a medo, numa tentativa in��til de manteres segura a doida que te calhou amar, antes de nos desequilibrarmos no arame em que nos sustemos, e nos esbardalharmos em qualquer sitio que possamos tornar cama. Um s��tio onde dois corpos possam rebolar sem apelo nem agravo. N��o, nem tem que ser uma cama. Qualquer peda��o de ch��o nos serve para nos sugarmos mutuamente, como vampiros que saem �� noite em busca de sangue. �� no que d�� gesticular demais quando estamos l�� em cima. E vai ent��o que regressas �� minha vida sem o saberes. N��o �� que ver-te me acalme ou me adoce.
Os nossos reencontros, que come��am quase sempre frios e an��dinos como meros conhecidos que se devem algo, raramente me provocam - de s��bito - a vontade de te tocar ou de aprofundar o que nos separa e depois nos junta. ��s vezes, at�� evito olhar-te como se tivesse vergonha de n��o te querer mais, e eu nunca tenho vergonha de nada. Mas quando bate o ponto, quando �� a lua que se v�� brilhante e redonda no negrume do c��u; ou quando me apronto a olhar as estrelas cadentes; quando o lobo uiva ao longe e me �� trazido pelas ventanias; ou quando os planetas se alinham, J��piter e V��nus - o Amor e a Guerra- preciso de ti como do p��o para a boca, mesmo que ao ver-te fique sem fome. Nem precisas de fazer algo, basta a tua ��nsia infantil de estares comigo e o paradoxo de saberes que isto nunca dar�� em nada. Isso e as tuas desagrad��veis implos��es perante esse fardo que carregas h�� anos, admito.
N��o sei o que me prende nem o que me afasta, mas sei que h�� um passo de dan��a desastrado entre os dois, uma m��mica descoordenada, que acaba inevitavelmente com cada um a sair por lados opostos do palco, obrigada, obrigada, adeus at�� �� pr��xima.
Ana Kandsmar
Obrigada, obrigada, adeus até à próxima!
Eu sabia que não seria para sempre.
Sabia que esse teu esgar de cão raivoso se dissiparia ante uma recordação ou outra que te viesse à memória, mal a rotina e o ramerrão dos dias te aborrecessem de morte. O teu ódio, a tua raiva, essa coisa que te arde no peito e te faz cuspir-me ofensas e impropérios é só uma máscara para o amor que me tens e a manta com que tentas tapar a frustração de me teres a milhas
Eu sabia que acabarias por mendigar. O teu prazo, esse limite de tempo em que consegues respirar sem que me faças o teu suporte de vida, é sempre curto, muito curto, mais longo do que eu desejaria, é certo, mas infinitamente mais curto do que me prometes quando te afastas.
Houve um tempo em que aguentavas um mês, dois vá� fingindo que eu não existo. Desta vez resististe mais. Bateste o teu record, qual nadador que supera o seu tempo a respirar debaixo de água e orgulhosamente é digno do Guiness. Lembraste-te então de que tudo em mim é genuíno e o teu sentimento ampulheta que te permite ignorar-me a prazo, desintoxicou-te dos teus extremos, do teu drama, da tua maneira enviesada e teatral de olhar as coisas� Talvez, mas não te iludas. Continuas a irritar-me a um ponto que a única solução é esqueceres-me, tal como eu te esqueci. Tal como eu te esqueci tantas vezes.
Foi sempre esse o nosso mal, não foi? Tu e eu, passámos os últimos�15 anos a esquecermo-nos um do outro. Às vezes até o fazemos sem esforço. Ao princípio sentimo-nos livres, leves, quase felizes. O nosso único engano é achar que é para sempre, que desta vez é nunca mais.
Devíamos saber melhor, porque há anos que nos esquecemos e depois nos precisamos, num loop temporal digno de um Stargate. Não que andemos a contar os dias. O nosso precisar é uma emboscada de que mal nos damos conta. Uns minutos nos primeiros dias, depois uma hora ou duas a lembrarmo-nos mutuamente, não que o façamos em simultâneo, ou pelo menos nem sempre concomitantemente…nem sempre, e então, depois, o purgar. Tentamos, em vão, purificarmo-nos das coisas que nos dissemos, do quanto somos capazes de nos tirar do sério, do ódio fervoroso e visceral que nos sentimos, da urgência de nos vermos pelas costas antes que a loucura nos vença, nos domine e nos leve por caminhos que não nos trarão volta. E ainda assim, o que nos intriga para lá da conta é esta coisa de nos sabermos certos, de estarmos ligados como dois telefones sem fios que emitem sinais, frequências sonoras que só nós dois percebemos, como ondas que enviamos de um para o outro e são recebidas sem espanto nem temor…� afinal tão natural esta sequência de vibratos, a trepidação das nossas vozes, a minha nos teus ouvidos e a tua nos meus� como acordes melódicos que conhecemos de cor e que sabemos, sem sabermos como o sabemos, que somos afinal nós, nós mesmos a gritar, em cantos opostos do mundo, pelo nome um do outro.
Tarda nada, e tudo volta a ser bom em nós. Muito bom. Tarda nada e tudo volta a ser uma saudade que corrói e nos empurra aos tropeções para os braços um do outro. Tarda nada e basta-nos uma futilidade, que descambamos na tragédia.
Dizem-me que é do sexo, do sexo que só somos capazes de ter um com o outro, com mais ninguém, que é desse sexo que sentimos falta, que isto não é amor. Há de ser qualquer coisa porque ao sexo rejeito-o sem tacto e desprezo num tom jocoso a tua fervorosa tesão.Repugna-me a febre com que me comes, como se amanhã eu deixasse de existir, ou o meu corpo estivesse para, a breve prazo, diluir-se com as primeiras chuvas.
Quando se te finda esse teu prazo de validade, a validade do teu ódio e desprezo por mim, falas-me baixinho, a medo, numa tentativa inútil de manteres segura a doida que te calhou amar, antes de nos desequilibrarmos no arame em que nos sustemos, e nos esbardalharmos em qualquer sitio que possamos tornar cama. Um sítio onde dois corpos possam rebolar sem apelo nem agravo. Não, nem tem que ser uma cama. Qualquer pedaço de chão nos serve para nos sugarmos mutuamente, como vampiros que saem à noite em busca de sangue. É no que dá gesticular demais quando estamos lá em cima. E vai então que regressas à minha vida sem o saberes. Não é que ver-te me acalme ou me adoce.
Os nossos reencontros, que começam quase sempre frios e anódinos como meros conhecidos que se devem algo, raramente me provocam - de súbito - a vontade de te tocar ou de aprofundar o que nos separa e depois nos junta. Às vezes, até evito olhar-te como se tivesse vergonha de não te querer mais, e eu nunca tenho vergonha de nada. Mas quando bate o ponto, quando é a lua que se vê brilhante e redonda no negrume do céu; ou quando me apronto a olhar as estrelas cadentes; quando o lobo uiva ao longe e me é trazido pelas ventanias; ou quando os planetas se alinham, Júpiter e Vénus - o Amor e a Guerra- preciso de ti como do pão para a boca, mesmo que ao ver-te fique sem fome. Nem precisas de fazer algo, basta a tua ânsia infantil de estares comigo e o paradoxo de saberes que isto nunca dará em nada. Isso e as tuas desagradáveis implosões perante esse fardo que carregas há anos, admito.
Não sei o que me prende nem o que me afasta, mas sei que há um passo de dança desastrado entre os dois, uma mímica descoordenada, que acaba inevitavelmente com cada um a sair por lados opostos do palco, obrigada, obrigada, adeus até à próxima.
Ana Kandsmar